J.J. Cale - Stay Around ****

Não haverá aqui uma nova “Cocaine” ou uma “After Midnight”, apenas dois dos grandes sucessos de JJ Cale na voz de Eric Clapton. Mas cada uma destas canções poderia perfeitamente ombrear com as que constam dos 15 discos que o músico gravou em quatro décadas de carreira. Cale já não está entre nós há seis anos e a companheira de vida e palco Christine Lakeland decidiu juntar num disco algumas das canções que foram sobrando das sessões de gravação. Há uma longa lista de músicos envolvidos, mas não nos é dito quem toca o quê e onde, nem sequer as datas de estúdio. Resta a exuberância da composição e interpretação vocal. Aquele estilo de sussurro, por vezes quase declamado, e o blues ritmado e descontraído, a que decidiu chamar-se de tulsa sound (Mark Knopfler não inventou nada...). “Go Downtown” (o cânone, por excelência), “Maria” (tex-mex), “Chasing You” (road song) ou “Tell Daddy (quase-jazz) podem ser boas apostas para iniciar a aventura.

Van Morrison - Three Chords and the Truth ****

Van Morrison é um caso raro. Um caso sério. Desde logo porque, tendo ele inventado um estilo muito próprio – aquela mistura de blues, gospel, country, jazz, música celta – parece ter inventado também o antidoto para a monotonia e o aborrecimento. Ao fim de centenas e centenas de canções, continuamos com a agradável sensação de que é tudo novo, tudo excitante como da primeira vez. Se tivermos em conta que, aos 74, já leva com 41 discos gravados, seis dos quais nos últimos quatro anos (belíssima coleção de standards dos blues, jazz ou soul), a admiração é ainda maior. Este registo é composto por 14 originais em nome próprio e um em coautoria. À habitual mestria vocal e instrumentação exuberante (destaque para o órgão, as guitarras e o baixo), junta-se uma arte de composição de recorte clássico e sofisticado. “Nobody in Charge”ou “Does Love Conquer All?”, por exemplo, demonstram tudo isso. O resto não lhe fica atrás.

Tindersticks - No Treasure But Hope ****

A primeira canção do disco chama-se “For The Beauty”, mas é à quarta que quase apetece chorar de tanta beleza. “Pinky in the Daylight” é talvez a mais luminosa, esperançosa, amorosa, dengosa – sim, maravilhosa! – canção dos Tindersticks. Tem coros lindos, violinos afinados, pandeiretas ritmadas e até umas leves sonoridades gregas, a evocar os dias, certamente alegres, que Stuart Staples preguiçou a compor na ilha de Ítaca. Depois, como que para garantir o tom romântico da aventura, os dez temas foram gravados, de uma assentada, em Paris. Há aqui canções, como a auto-explicativa “The Amputees”, ou a enganadora “See My Girls”, a atestar que estamos em território de dúvida e angústia, mas “Take Care of Your Dreams” funciona como um sincero incentivo para que deixemos as dores para trás e não temamos olhar a beleza de frente. Em suma, um disco em que damos connosco a cantarolar, talvez dançar, com “Tough Love”, mas que ainda é Tindersticks. É estranho, mas é bom.

Momo - I Was Told To Be Quiet ****

Marcelo Frota, aliás Momo, disse algures que escreveu “Stupid Lullaby” imaginando Nina Simone a cantar “Wild is the Wind”. 
Entende-se bem a ideia durante o improviso vocal que encerra o tema, e também na delicadeza firme com que a canção evolui. Mas a verdade é que, nesta como noutras canções, seja na abertura seja em “Mon Néant”, por exemplo, sentem-se também muitos requebros do fado, a música com que este brasileiro do mundo convive desde a chegada a Portugal, há uns quatro anos. 
Esclareça-se: este é um disco radicalmente brasileiro, filho da bossa nova, parente um pouco mais afastado do samba (“Diz a Verdade”). 
É à bossa nova que Momo vai buscar a simplicidade e a contenção. E foi com o produtor Tom Biller que vestiu as canções de um cosmopolitismo a que não faltam caixas de ritmos e outras electrónicas. 
Um disco em português, inglês e francês, por onde passam todas as perplexidades da alma humana. Num registo sereno e relaxado.

Leonard Cohen - Thanks for The Dance ****

Estas nove canções resultaram, evidentemente, das sessões de gravação de “You Want It Darker”, o disco que, em 2016, acabou por ser o inesperado testamento de Leonard Cohen. O velho leão, ferido por um cancro e preso a uma cadeira ortopédica, cantou e declamou alguns dos seus derradeiros poemas, com o filho, Adam, nas lides instrumentais. 
Dessas sessões resultou esse primeiro disco, sombrio e premonitório, no seu labor em redor da morte, com uma gravitas própria, que lhe adveio do desaparecimento sobreveniente. As canções que agora nos chegam são inevitáveis segundas escolhas dessa sementeira. 
Apesar de ter gravado apenas a voz, na prática, Cohen deixou as canções praticamente prontas, ao imprimir a cada uma o cânone desenvolvido nos últimos anos, especialmente a partir de “Old Ideas” (2012). O filho, acompanhado de uma vaga de estrelas (Beck, Feist, Patrick Watson, Damien Rice, músicos dos National e dos Arcade Fire) – que, diga-se em abono da verdade, primam pela discrição – limitou-se a encontrar as orquestrações que rodeiam a voz, num trabalho não muito diferente do que fizera no primeiro disco. 
O resultado, interessante pela utilização meticulosa de instrumentos e coros (de que é excelente exemplo o tema-título), acaba por ser demasiado conservador, por absoluta falta de sentido do risco. Cohen, na posse total das capacidades vocais, canta o amor, a religião e o sexo (“Happens to the Heart”, ou “The Night of Santiago”), também sem surpresa, ou algo que coloque estas canções em qualquer top coheniano. “Puppets” ou “The Hill”, por exemplo, têm claramente potencialidades que não foram exploradas. 
Apesar de tudo, fica-se com a sensação de que, entre pai e filho, poderíamos ficar toda uma eternidade a ouvir canções destas.

The National, 12 dezembro, Campo Pequeno


Bem-vindos, trintões – ora, ora, onde isso já vai –, bem-vindos, quarentões e mesmo cinquentões à subida ao palco da vossa desilusão. Nunca uma banda terá representado tão bem os dramas domésticos de rotina e tédio (“Apartment Story”, “Conversation 16”), o erotismo sofisticado (“Slow Show”), o amor louco, furioso e destruidor (“Terrible Love”), de uma geração de jovens adultos, urbanos e depressivos, como nos filmes. Uma banda que levou tão longe o conceito, que trouxe para os discos a família e a vida doméstica e com elas a rotina e o tédio de “I’m Easy to Find” (2019), um disco que, repetindo a temática e o ambiente musical tenso, se ouve sem sobressalto de uma ponta à outra. Dessas 16 canções, uma mão cheia razoável vai estar agora em palco, não lhe faltando as vozes femininas em contraponto com a voz cava de Matt Berninger. “Not in Kansas” e inevitavelmente “Light Years” são as duas baladas obrigatórias desta colheita, para cantar, como de costume, em coro, e dançar ou ondular simplesmente, conforme a condição física ou amorosa. Mas as canções mais recentes funcionam apenas como pontes para uma revisitar da carreira de quase duas décadas da banda de Ohio, que teve entre 2007 (“Boxer”) e 2010 (“High Violet”) o seu indiscutível pico criativo. “Fake Empire” é a canção-símbolo dessa época e o hino por excelência destes concertos.