Adele - Live At The Royal Albert Hall ****

Bem vindos, então, ao Royal Albert “Fuckin” Hall. É assim que Adele cumprimenta os milhares que, apenas em meia hora, esgotaram a mítica sala de Londres, obviamente o palco mais desejado por esta filha da cidade que, aos 23, tem o mundo a seus pés. Ao longo de hora e meia de concerto, raramente Adele perde a oportunidade de verbalizar as mais variadas declinações da palavra “fuck”. A coisa não passou despercebida a alguma imprensa americana – logo no ano em que a inglesa bateu recordes históricos de vendas no outro lado do Atlântico – e a editora acabou por colocar na caixa do DVD o famoso autocolante a alertar para a linguagem explícita, uma aberração, se tivermos em conta, as densas mas bem comportadas letras das canções de Adele. Mas esta é apenas uma das grandes contradições de uma artista que cultiva um “look” mais familiar aos fãs de Susan Boyle que aos milhões que compraram os seus dois primeiros discos, 19 (2008) e 21 (2011). Neste concerto, por exemplo, a exuberância, alegria e até estridência do seu relacionamento com o público – que ocupa quase tanto tempo como as canções, tal é a conversa... – contrasta flagrantemente com um repertório assumidamente autobiográfico todo ele construído à volta de separações dolorosas. Interlúdios à parte, estamos perante um fabuloso concerto, a que o som e a imagem de altíssima qualidade transformam numa experiência excepcionalmente gratificante. Sem nunca ultrapassar o protagonismo da artista, a orquestra faz o que a tem a fazer de forma competentíssima. E Adele não lhes fica atrás. Ouça-se, por exemplo, a interpretação de “Make You Feel My Love”, de Dylan e dedicada a Amy Winehouse, ou o empenho emprestado a “Take It All”, para se perceber como Adele está uns furos acima da classe de raparigas canoras que ultimamente tem atacado os tops. A edição em DVD é completada com CD, que reproduz o mesmo alinhamento, mas sem as longas e “fucking” interacções com o público. Há ainda um documentário de bastidores (9 min.), mais ou menos irrelevante. Como quem diz, com um espectáculo daqueles ainda estavam à espera de extras?

Áurea - Ao Vivo no Coliseu dos Recreios ***

Ponto prévio: o DVD e o CD, quase gémeos, não são maus de todo. Em absoluto. Mas na vida tudo é relativo. E este segundo disco de Áurea é relativamente pior que o primeiro disco de Áurea, sendo que o segundo disco é igual ao primeiro. Expliquemo-nos. O primeiro disco de Áurea, lançado em finais de 2010, chamava-se Áurea e foi um sucesso estrondoso. Uma boa voz, boas canções originais, tudo made in Portugal. O segundo disco de Áurea também se chama Áurea e tem mais ou menos as mesmas canções. Só que foi gravado um ano depois e ao vivo. Provavelmente, a cantora, os autores, a editora não resistiram ao exercício auto-celebratório – a vida corria-lhes bem, muito bem, e quiseram partilhar isso mesmo com o respeitável público e, já agora, esticar o sucesso económico da façanha inicial. Entendidos. O resultado é, porém, sofrível. O cerne do problema parece estar na orquestra e no conceito que ela enquadra. Do registo contido da excelente produção do primeiro disco passa-se para uma sonoridade mais própria de um Festival da Canção, os daqueles talk shows da RTP. O jet set que se acomodou na plateia do Coliseu aplaudiu muito e, seguramente, a aposta está ganha do ponto de vista comercial. Provavelmente, é o preço a pagar para fazer música daquela e ter sucesso em Portugal. Mas soa mal. Acresce que a captação de som não é brilhante e, por vezes, o que nos chega é uma massa sonora e não os naipes de instrumentos propriamente ditos. A cantora, por seu lado, revela uma menor plasticidade vocal do que se adivinhava no disco original. Nada de grave, porém. O que interessa saber é se Áurea e o autores/compositores vão conseguir fazer um verdadeiro segundo disco capaz de ombrear com o primeiro. Em caso afirmativo, este CD/DVD relegar-se-á ao seu papel no baú de memórias dos intervenientes. Apenas.

Calexico - Selections From Road Atlas ****

Durante mais de uma década, os Calexico construíram uma vida dupla. À vista de toda a gente, mas que só agora ganha consistência enquanto conjunto. Em cada digressão, gravavam um disco, vendido apenas nos concertos, com temas originais, à margem da discografia original. Agora, esses CD foram editados numa caixa com oito discos de vinil. Este CD é uma selecção dessa discografia paralela do grupo que explora e actualiza as sonoridades do sul dos Estados Unidos e da fronteira com o México. E o surpreendente nesta colecção é a qualidade artística e sonora das canções. Exímia. Nada aqui é amador, como se poderia supor. E cá temos coisas a fazer lembrar Ry Cooder (“Waitomo” e “El Morro”), uma balada de beleza cativante (“All The Pretty Horses” e ”Griptape” ), ou a quase psicadélica “Man Made Lake”. A fazer a ponte para os discos oficiais, surge aquela que é apelidada de versão original de “Crystal Frontier”, uma cóboiada spaghetti.

Stacey Kent - Dreamer In Concert ****


Stacey Kent é uma nova iorquina, de voz charmosa e delicada, que – imaginem! – se apaixonou pelo jazz numa viagem a Paris e pelo marido, produtor, saxofonista e compositor Jim Tomlinson numa visita a Oxford. Estamos, portanto, no território da elegância. A que só falta acrescentar a mais recente paixão de Stacey – a língua portuguesa, à qual chegou através das canções brasileiras. Neste disco ao vivo, gravado em Paris, cruzam-se, num registo jazz bossa nova, três línguas (inglês, francês e português tropical), numa demonstração do potencial universalizante da música. Há Gainsbourg (“Ces Petits Riens”) e Benjamin Biolay (“Jardin d’Hiver”), há clássicos (“The Best Is Yet To Come”), e há muitas canções de raiz brasileira cantadas, ora em versões inglesas (“Corcovado” e “Waters of March”), ora em francês (o célebre “Samba Saravah”), ora em português (“O Comboio”, um poema do poeta português António Ladeira, musicado em registo bossa nova por Tomlinson).