Pixies - Beneath the Eyrie ***

Há um odor a ressurreição, apesar de tanta morte, fantasmas, bruxas, seres sobrenaturais que por aqui vagam. Este é o terceiro disco desta segunda vida dos Pixies, iniciada em 2014, após um interregno de 13 anos. E se, nos dois discos anteriores desta fase, havia um certo desnorte, agora a banda parece ter acertado numa sonoridade que se renova indo buscar elementos ao passado (1988-2014), sem dele ficar refém. Há, por isso, abordagens mais libertas, como o pós-country de “Bird of Prey” (alguém falou em Leonard Cohen?). Há baladas quase sem espinhas (“Silver Bullet”), não fossem os inevitáveis riffs de guitarra. E, claro, há os temas, como “On Graveyard Hill” ou “Long Rider”, que farão os fãs saltar de alegria e nostalgia. O disco foi gravado numa igreja, o que, não sendo evidente ao ouvido, terá ajudado a fixar as características mais negras, góticas mesmo, mas também a abrir caminho a um som pensado para o palco.

Frank Carter & Rattlesnakes - End Of Suffering ***

O último tema, título do disco, é uma balada acústica. Guitarra e piano, quase caixa de música, com sons de criança em fundo. O fim do sofrimento, eventualmente tentativa de ritual de passagem para qualquer coisa. O resto do disco é catarse pura, com Frank Carter a exorcizar demónios (“Supervillain”, “Little Devil”), separações, traumas avulsos (“Latex Dreams”). Nada de novo, apenas um pouco mais cinzento que o habitual. O resto é que já lhe conhecemos, desde os Gallows da década passada, mas especialmente desde o primeiro com os Rattlesnakes, em 2015. Um fundo e atitude punk (“Heartbreaker”), a atracção fatal pelo hard-rock (“Love Games” – deliciosa a citação explícita do “Losing Game”, de Amy Winehouse), para acabar numa certa banalidade das bandas de estádio inglesas (“Crowbar”). Por entre tanta evidência, as guitarras roucas de “Angel Wings“ assumem contornos de quase experimentalismo.

Efterklang - Altid Sammen ****

O anterior disco dos Efterklang era, literalmente, um exercício sobre gelo. Gravado numa base russa abandonada no Pólo Norte, “Piramida” desenvolvia-se em avalanches sonoras de frente fria. Estávamos em 2012, no pico de um percurso iniciado por quatro dinamarqueses, uma década antes, algures entre o pós-rock, um certo neo-romantismo e muita electrónica. Os sete anos seguintes foram de silêncio do colectivo, embrenhados os seus elementos em projetos paralelos. Regressam agora, em formato de trio e com a surpresa, um tanto desagradável, de um disco integralmente cantado na língua nativa. O que, fazendo-lhes a vontade, nos priva de perceber que cantam eles – basicamente, aquilo a que poderíamos chamar de paisagismo existencialista, ou seja, reflexões intimistas com montanhas e nevoeiro ao fundo – e a focarmo-nos na música. Bem mais serena, com mais espaço para respirar, como em “Hander der Abner sig”, com uma belíssima utilização de metais, ou em “Havet Lofter Sig”, com pianos a recordar Virginia Astley e a voz a ecoar ao John Cale dos dias mais dramáticos. Há ainda uma aragem do Norte, mas o ambiente é agora bem mais acolhedor.

Penelope Isles - Until The Tide Creeps In ***

Jack e Lily Wolter são dois irmãos, separados por seis anos, criados na ilha de Man e que se reuniram em Brighton, acumulada que estava alguma experiência musical em separado. E que, por isso, vão imprimindo cunho pessoal às canções que, à vez, compõem e interpretam. O resultado é uma banda que absorve influências de algumas das coisas mais relevantes das últimas duas décadas: MGMT, Flaming Lips, Tame Impala, Radiohead... E que constrói canções pop de três/quatro minutos, com guitarras e complementos electrónicos muito desenvoltos, de que “Chlorine”, “Round” e “Leipzig” são bons exemplos. E que também se aventura em lances mais arriscados, como a longa “Gnarbone”, com psicadelismo e outros experimentalismos à mistura. Uma banda de base familiar, que cultiva memórias – o pai na capa e em “Underwater Record Store”, a mãe em “Through the Garden”. Começo auspicioso.

Momo - I Was Told To Be Quiet ****

Marcelo Frota, aliás Momo, disse algures que escreveu “Stupid Lullaby” imaginando Nina Simone a cantar “Wild is the Wind”. Entende-se bem a ideia durante o improviso vocal que encerra o tema, e também na delicadeza firme com que a canção evolui. Mas a verdade é que, nesta como noutras canções, seja na abertura seja em “Mon Néant”, por exemplo, sentem-se também muitos requebros do fado, a música com que este brasileiro do mundo convive desde a chegada a Portugal, há uns quatro anos. Esclareça-se: este é um disco radicalmente brasileiro, filho da bossa nova, parente um pouco mais afastado do samba (“Diz a Verdade”). É à bossa nova que Momo vai buscar a simplicidade e a contenção. E foi com o produtor Tom Biller que vestiu as canções de um cosmopolitismo a que não faltam caixas de ritmos e outras electrónicas. Um disco em português, inglês e francês, por onde passam todas as perplexidades da alma humana. Num registo sereno e relaxado.

Faye Webster - Atlanta Millionaires Club ****

Costumava fazer a cama, mas agora não vejo qualquer interesse nisso (“Pigeon”). Aos 21 anos, Faye Webster assina o terceiro disco, expõe uma solidão talvez inesperada para a idade e confirma uma desenvoltura musical pouco habitual, seja qual for a etapa da vida. O contexto rhythm and blues (R&B) em que tudo se passa ajuda a explicar a amplitude de espectro estilístico, mas não deixa de ser espantosa a facilidade com que aqui se viaja de uma valsa pop de raiz country (“What Used To Be Mine”) a “Come To Atlanta”, com os seus metais funk e neo-soul. Isto, claro, não esquecendo o hip-hop sereno de “Flowers”, em dueto com Father. Poderia ser apenas algo de enciclopédico, uma demonstração de virtuosismo, não se desse o facto de tudo estar estruturado de forma coerente, ligado por uma voz nada extraordinária, mas que tem o condão de nos prender às histórias que desenrola. “Kingston” é, sob qualquer ponto de vista, uma canção memorável.