Tame Impala - The Slow Rush ****

Com alguma boa vontade, poderemos encontrar na batida e na circularidade do canto da segunda parte de “One More Hour” laivos de um fantasma chamado Brian Wilson. E, no entanto, apesar de todas as enormes distâncias estilistas e geracionais, é quase inevitável falar da alma dos Beach Boys quando se fala de Tame Impala, ou mais precisamente de Kevin Parker, o australiano por detrás disto tudo. E tudo é mesmo tudo: composição, interpretação (incluindo todos os instrumentos), mistura e produção. Sim, Kevin é uma espécie de Brian, alguém que tem na cabeça uma imagem (!) exacta da música que quer e que, em estúdio, se dedica a infindáveis e minuciosas manipulações sonora. A construção de enormes massas sonoras, mas que todos os detalhes estão à mostra. Com Brian, Kevin partilha ainda o fino gosto pela composição. E, pronto, param aqui as comparações. Os Tame Impala são mais herdeiros do funk, o dos anos 70 e o dos 90, e de um psicadelismo tardio, ou intemporal, se quisermos, mas nunca o de 60. Não será, porém, isso que torna os Tame Impala um dos maiores sucessos dos últimos anos, mas antes a tessitura pop em que estas canções assentam, seja, por exemplo, em “Posthumous Forgiveness”, ou obviamente em “Borderline”.

Big Thief - Two Hands ****

Na sua recente passagem por Lisboa, os Big Thief revelaram-nos um pouco do seu processo criativo: metade de um concerto para lá de impecável, a outra metade à beira do desastre, porque feita à custa de canções novas, sem rodagem. Este disco, o segundo no espaço de um ano, é em boa parte constituído por canções que a banda trabalhou em palco, ao longo de anos. Basta passar pelo Youtube para encontrarmos diversas versões, por exemplo, de “Shoulders”, uma composição, aliás, paradigmática do território em que a banda se move, com frequentes referências ao mal (no caso, a violência doméstica) que se esconde na beleza das coisas. Mas este disco não recolhe apenas canções de estrada, de certa forma ele tenta replicar as aventuras de palco, numa gravação crua, sem muitos artifícios. Um som rude, que contrasta flagrantemente com o ambiente quase celestial de “U.F.O.F.” (2019). Adrianne Lenker está aqui, por isso, muito mais perto daquela radicalidade de palco, como em “Not”, seja na sofreguidão da voz, seja na exuberância das guitarras, a lembrar algumas aventuras de Neil Young. A acústica e quase bucólica “Wolf”, ou “Forgotten Eyes”, a lembrar tanto os Rilo Kiley, de Jenny Lewis, são momentos em que essa urgência dá lugar a uma distensão muito pop. E é tão pop esta música, mesmo que o não pareça.