Jarv Is - Beyond the Pale ****

Em “House Music All Night Long”, Jarvis Cocker – é dele que se trata – encontra-se à deriva num mundo de interiores da “night” da sua sala de estar. A intenção não era seguramente essa, até porque o disco terá nascido de atuações ao vivo nos últimos três anos, mas esta canção e atmosfera das restantes são a metáfora perfeita para o 2020 que nos calhou. Dançar na “night” da nossa sala de estar, irremediavelmente à deriva, é esse o nosso destino, tanto quanto podemos alcançar. Jarv Is – é esse o nome da banda – resulta dos tais concertos ao vivo, um pouco por todo o lado, do ex-líder dos Pulp e mais uma mais uma mão-cheia de amigos. As canções integram, aliás, algum desse ADN da música ao vivo. Cocker continua britanicamente sardónico, o que é excelente, e com forte tendência para animar as pistas de dança, por mais interiores que elas sejam. O disco arranca com uma homenagem implícita a Cohen, com Jarvis a sussurrar para um coro feminino que lhe responde, bem humorado, sobre uma evolução suave de valsa. Há ecos de Bowie, fase Berlim, e de Nick Cave, mas o disco é, felizmente, muito mais que isso. Não fosse a quarentena das pistas de dança, e teríamos aqui banda com pés para dançar.

Matt Berninger - Serpentine Prison ***

No tema que dá o título ao disco, e que o encerra, Matt Berninger canta às tantas: “I’ve seen a vision, call an electrician”. Sim, é o mesmo tipo de poesia desconcertante a que nos habituámos nos The National. Este disco, o primeiro de Matt a solo, não é o nono dos National, mas anda lá perto. Não era fácil ao vocalista e alma da banda embarcar numa aventura de distanciamento, especialmente tendo em conta a forma muito marcante como interpreta as canções do colectivo. Seria necessária uma completa reinvenção... Digamos que este exercício a solo nos mostra alguém mais melódico, mais macio, apesar de os temas andarem à volta do mesmo binómio de desesperança versus alento a que já estamos habituados. Booker T. Jones, na produção, salva o disco do que poderia ser um naufrágio meloso. Cordas, metais, órgãos e guitarras encarregam-se de injectar sangue e cor, onde o tédio espreitava. “Distant Axis”, ou “Take Me Out of Town” são exemplos do melhor que aqui se ouve. “Collar of Your Shirt”, ou “Loved So Little” padecem da tendência para o bocejo que se sente mais amiúde do que seria desejável.

Christine and The Queens - La Vita Nuova ****

Em 2018, com “Chris”, Héloise Letissier estabeleceu definitivamente Christine and The Queens como um dos nomes a seguir na cena da música de dança de textura complexa e ambiciosa. O regresso com este EP (seis temas) não se fica pela consequência lógica dessa afirmação. Agora num registo mais lento, em que a batida forte se entrelaça com lençóis de electrónica e coros, resultando num produto que vibra ao ritmo do corpo. O vídeo com cinco destas canções, que pode ser visto no Youtube, materializa ainda mais esse sentimento de dança natural, através de uma coreografia que atravessa os telhados de Paris e que, no plano visual, aproxima Christine de Michael Jackson da mesma forma que “I Disappear in Your Arms” o faz na vertente musical. A ambivalência musical serve na perfeição o carrocel emocional das canções, sempre na incerteza entre a paixão, a desilusão e a ressurreição. Que, como se sabe, é um excelente mote para a dança.