Gregory Porter - One Night Only ****

Nat King Cole, de quem se comemora o centenário, foi novamente o ponto de partida para mais este registo de Gregory Porter. Na verdade, esta gravação ao vivo (CD e DVD), realizada no ano passado em Londres, retoma grande parte do disco de homenagem à sua maior influência (Nat King Cole and Me, 2017), recorrendo, inclusive aos mesmos músicos (quarteto e grande orquestra) e aos arranjos de Vincent Mendoza. E é esse o especial interesse do disco. Mendoza volta a criar as atmosferas, ora íntimas (“For All We Know”) ora quase cinematográficas (“Miss Otis Regrets”, tão típicas de Hollywood dos anos 1950 e 60, mas agora aplicadas, não apenas aos sucessos de Cole, mas também aos originais de Porter. Um dos exemplos maiores desse movimento é “When Love Was King”, que ganha aqui uma nova grandiosidade, toda ela feita de subtileza. Neste registo mais quente e aveludado, Porter volta a demonstrar porque é uma das vozes incontornáveis da actualidade.

Cass McCombs - Tip of the Sphere ****

A história da música, e do resto, é mesmo assim, composta de movimentos oscilantes, viajantes no tempo, que fazem do passado o combustível para a abertura de novos horizontes. Cass McCombs é um dos intérpretes mais perfeitos dessa teoria. Ancorado nos anos 1970, dos supergrupos, do psicadelismo e de uma certa intelectualidade, tem conseguido evitar cair no tédio com que hoje olhamos para aquela época. Neste disco, por exemplo, há um tema de 7 minutos e meio, a abrir, e outro de 10 minutos, a fechar, a que não faltam longas digressões de solos e improvisos de guitarra e teclas. Ou seja: alerta bocejo! Curiosamente, neste, como nos oito discos anteriores, Cass, assim como os músicos que o rodeiam, fazem o milagre e conseguem balançar essa ambiência geral de psicadelismo e virtuosismo com algumas canções de grande inspiração e ainda melhor execução. “Absentee”, “Real Life” ou “Sleeping Volcanos” aí estão para o provar.

The Gift - Verão ****

25 anos de carreira, cumpridos este ano, a caminho da dezena de discos de originais, donos de uma sonoridade marcante na música portuguesa contemporânea. Os Gift já nada têm a demonstrar, nem seria justo pedir-lhes a sempre almejada novidade pop – “o que fizeram eles de novo agora?”. Não há novidade aqui. O produtor, Brian Eno, é o mesmo do disco anterior (“Altar”, 2017), a ideia original é a sequência natural de “Primavera” (2012) e são vários os momentos de “Verão” que ecoam memórias da obra passada. E, no entanto, este é um grande disco dos Gift, um dos melhores dos últimos tempos. Na criação de massas sonoras de grande dramaticidade e intensidade, recorrendo amiúde ao casamento das cordas com a electrónica (“Impressiveness”, “Foggy”), nos temas mais pop (“Vulcão”, “Lowland” – esta na voz e Nuno Gonçalves e tão tão Eno), nas baladas (“Books”, que bela linha de piano...) ou no inevitável hino para os palcos (“Verão”). Este ano, o Verão terá a sua dose de melancolia.

Mavis Staples - Live in London ****

Desaparecida Aretha, cabe a Mavis transportar a chama das grandes vozes femininas da soul mais tradicional. Aos 79, no verão de 2018, em duas noites gravadas na Union Chapel, em Londres, a voz mais conhecida dos Staple Singers assumiu o risco de evitar os sucessos de décadas e focar-se nos temas que gravou, na última década, sob a batuta de M. Ward e, especialmente, de Jeff Tweedy, dos Wilco. Foi com eles que gravou temas de compositores contemporâneos, como Ben Harper (“Love and Trust”), David Byrne (“Slippery Sole”), ou Justin Vernon (“Dedicated”), para mencionar apenas alguns dos que constam deste disco. Estamos, pois, perante uma espécie de “best of” do renascimento de carreira, a que se juntam três temas mais antigos. O valor acrescentado do exercício passa pela uniformização dos vários temas por uma pujante formação de R&B, que rivaliza em vitalidade com a projeção vocal de Mavis. Quase dá para ver a vibração em palco.