Thom Yorke - Suspiria ***

Eis um disco que – oh sacrilégio – encaixa na perfeição nas modernas técnicas de audição, que conferem ao ouvinte a liberdade de escolher e misturar temas. Porque, na verdade, estes 80 minutos distribuídos por dois CD comportam dois tipos de objeto bem distintos: canções, boa parte delas encaixáveis na discografia dos Radiohead, e temas instrumentais, de duração e conteúdo muito variáveis, que bebem nos compositores clássicos contemporâneos, mas que são o que são: banda sonora de um filme de terror (“A Choir of One” é uma longa digressão de uma voz, sem palavras, por 14 minutos de efeitos sonoros electrónicos arrepiantes...). Do lado das canções, “Suspirium” é uma bela balada com piano, “Has Ended” anda por território trip-hop e “Unmade” põe Thom Yorke a fazer uma demonstração de voz. Os fãs dos Radiohead podem pegar nelas e ouvir em “repeat”, que não irão arrepender-se. Para o resto, especialmente o segundo CD, será necessário entrar na onda da coisa.

Melhores de 2018 (excertos)

António Zambujo. Um disco de adeus aos fados, que não ao Alentejo (“Retrato de Bolso”). Assumidamente pop de raiz beatleana (“Sem Palavras”). Impregnado de um Brasil contemporâneo nada tropical, de que o eco de Rodrigo Amarante na primeira canção será a prova mais evidente. Sem perder o pé do que lhe trouxe tanto sucesso, Zambujo parece querer abrir, ao oitavo disco, um capítulo que cruza a densidade orquestral com a extrema atenção ao detalhe.
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Dead Combo. O duo é agora banda. E com essa expansão expande-se também este som que, apesar de tão português, ou talvez por isso, não conhece fronteiras. A bateria que a banda trouxe dá músculo rock a quase todo o disco, abrindo ainda mais o leque já enorme de jazz, fado, western, caraíbas, África... A voz de Mark Lanegan encaixa na perfeição, num disco com memórias de Carlos Paredes, poema de Pessoa e traços de Verdi.
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Ry Cooder. Que lição, mr. Cooder! Um disco que, com três originais e uma mão cheia de clássicos, mais parece um catálogo em redor dos formatos clássicos da América: blues, country, bluegrass, gospel. Um manifesto contra as velhas e as novas tiranias.
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Father John Misty. Mais um disco sobre corações partidos por um dos mestres do melodrama indie. Dez canções autobiográficas, encharcadas num arrependimento que se transfigura em redenção por via da ironia. Um autêntico strip tease sentimental para nosso deleite.

Pedro Abrunhosa - Espiritual ***

Há três ou quatro momentos memoráveis neste disco. O dueto com Lucinda Williams, em que uma das vozes mais espantosas da country ensopa de sensualidade o tema mais coheniano do disco. O dueto com Ana Moura, que demonstra onde pode chegar a música de Abrunhosa numa grande voz. O dueto com Elisa Rodrigues, que chama mais uma vez a atenção para uma das vozes mais espantosas que por aqui apareceu nos últimos tempos. O dueto com Lila Downs, porque a world music é obrigatória num disco que fala de refugiados e muros, e também de violência doméstica (“Dizes que Gostas de Mim”). Sim, este disco vale especialmente pelos duetos (há mais dois, com Carla Bruni e Ney Matogrosso, mas ambos menos interessantes), nos quais até a voz frágil e menos maleável do autor consegue equilíbrio suficiente. O resto é Abrunhosa a ser Abrunhosa, baladas-hino, cheias de perdão e salvação. “É o Diabo” faz de testemunha solitária de um passado funk.

Salto - Férias em Família ***

Este é um disco de confirmação, por muito pouco canónico que um terceiro disco o possa ser. Com estúdio próprio, em Marvila, a banda, agora estabilizada a quatro, teve toda a liberdade para finalmente abraçar a produção desta terceira aventura e, dessa forma, fixar a sonoridade que procurara na gravação homónima (2012) e em Passeio das Virtudes (2016). Um som com raízes psicadélicas – o fascínio pelo sintetizadores e toda a sorte de guitarras com e sem efeitos – mas que não abdica dos sonhos pop, entre coros contemplativos e uma alegria eternamente juvenil. “Rio Seco” é um dos temas que melhor representa essa aposta de fazer música de múltiplas camadas, que ora nos transporta para territórios oníricos, ora nos puxa os pés para danças bem terrenas. Talvez que o principal pecadilho seja o excesso de autobiografia, uma banda centrada na ideia de fazer música. Convém não esquecer que há música lá fora.

Carminho - Maria *****

Fado (2009), Alma (2012), Canto (2014), Maria (2018). Faz sentido, faz todo o sentido. Ao quinto disco – as contas não batem certo porque, pelo meio, houve o disco de canções de Tom Jobim (2016) – Carminho canta, como nunca, na primeira pessoa. É um disco de histórias e vivências, reflexões de coisas vividas (“Desengano” sobre o Fado Latino, de Jaime Santos). Mas é também na primeira pessoa porque Carminho produz, toca guitarra elétrica (“Estrela”), assina sete dos 12 temas, seja na totalidade, apenas as letras, ou só a música. Um disco que resulta de dois movimentos distintos, aparentemente opostos: um, a depuração extrema do material genético do fado (o a capella de “A Tecedeira”, ou o quase mero esboço da guitarra de “Sete Saias”, de Ricardo Ribeiro); outro, a procura de novas sonoridades para o fado, de que o exemplo extremo é a pedal steel guitar, tocada com arco de violino (!) de “O Menino e a Cidade”. Um disco de plena maturidade.