Ray LaMontagne - Gossip In The Grain *****

Eis um caso sério – por onde começar os elogios? Pela beleza estrutural das canções? Pelo modo como Ray LaMontagne tem vindo a moldar a voz, aprofundando a sua aparente debilidade? Pela atmosfera intensa e intimista criada pelo músico e produtor Ethan Johns?
O caso é, de facto, sério. Gossip In The Grain é um dos mais belos discos dos últimos tempos e revela um artista em tal progressão criativa que atira a fasquia das expectativas para bem alto. Estamos a milhas da simplicidade de Trouble (2004) e até das texturas já mais complexas de Till The Sun Turns Black (2006).
O tema de abertura, por exemplo, é uma verdadeira explosão de criatividade, a fazer lembrar os melhores momentos da Motown… ou, melhor, da Stax. Os metais, as cordas, os coros femininos, tudo se conjuga numa canção de um rigor clássico irrepreensível.
A abertura é, porém, enganadora. O melhor deste disco não é a alegria contagiante de “You Are The Best Thing”, mas antes os ambientes intimistas e dolorosos, a que a voz de LaMontagne confere dramaticidade e veracidade. “Sarah”, por exemplo, é uma pequena jóia, uma belíssima evocação da perda da inocência. “Let It Be Me”, um hino à amizade nos mesmos termos da histórica “You’ve Got a Friend”, de Carole King. Por vezes, a atmosfera entra por terrenos a fazer lembrar o psicadelismo (“I Still Care For You”) e até, de forma quase explícita, os Pink Floyd primitivos com uma pitada de Morricone (“Meg White”, uma canção sobre a baterista dos White Stripes).
Cada canção ouve-se como se víssemos um filme. Vale a pena ouvir cada uma atentamente, repetidamente. Para melhor absorver a delicadeza dos pormenores com que foram construídas e ornamentadas. Não há discos destes todos os dias.

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