São mais de 200 canções, gravadas há quase 60 anos e lançadas agora a preço reduzido. Manuel Morgado ouviu-as todas e ficou convencido de que a perfeição existe
Lá fora são os anos 50 do pós-guerra, do baby boom, da América próspera. Tudo
parece possível, até a felicidade, e há uns miúdos e alguns graúdos que
inventam uma nova música a que chamam rock’n’roll.
Sinatra, o dono da Voz que explodira na década anterior, é o contraste perfeito
desse glamour: está fora de moda, é
despedido pela editora (Columbia), cambaleia entre o divórcio de Ava Gardner e
tentativas de suicídio. Como tantas vezes na História, está criado o clima para
uma enorme explosão de talento, que marcará uma época, mas, acima de tudo,
estabelecerá um paradigma.
Os discos que Frank Sinatra lançou na Capitol (1953-61) são
absolutamente históricos. Desde logo pela abordagem que faz a cada canção,
tratando-as como se fossem, todas e cada uma, um caso muito pessoal. Sinatra
não avia canções, vive-as e isso ouve-se. Históricos também porque,
aproveitando o advento do LP, Sinatra inventa os discos conceptuais: as canções
são escolhidas à volta de um conceito, seja o amor, as viagens, a dança, ou o
amor, outra e mais uma vez. E, enfim, são discos históricos porque tudo neles é
perfeição: a voz, os arranjos e a condução de orquestra (além de Billy May e
Gordon Jenkins, começa a colaboração com Nelson Riddle, que marca toda esta
época), e as próprias composições, constituindo este repertório um autêntico
cancioneiro americano, a que não faltam Gershwin, Porter, Mercer, Arlen,
Rodgers &Hart…
A colecção que agora chega a Portugal beneficia da cessação
dos direitos autor, passados que foram 50 anos sobre as edições originais. Uma
editora de Barcelona juntou em 12 discos as gravações remasterizadas de 12 LP e
alguns singles, a que não faltam as capas originais, numa operação low cost com matéria-prima de luxo.
Por ordem cronológica, Songs
For Young Lovers/Swing Easy! (1954) condensa a ideia que presidiu às
gravações da Capitol: discos de canções de amor, alternados com outros de
dança, aqui juntos num mesmo CD. E é aqui que podemos ouvir gravações
“definitivas” de “My Funny Valentine”, “I Get A Kick Out Of You”, ou “Just One
of Those Things”.
O ano seguinte foi inteiramente dedicado ao amor, ou melhor,
à falta dele. In The Wee Small Hours
cria uma atmosfera íntima, propícia a exorcizar amores que se rompem e que se
tentam preservar com inviáveis promessas de amizade. “What Is This Thing Called Love”, pergunta Cole
Porter.
Songs For Swingin’ Lovers (56) é todo ele alegria (“You Make
Me Feel So Young”) e chega a garantir que, sim, o amor existe (“Love Is Here To
Stay” e “I’ve Got You Under My Skin”). A orquestra brilha a grande
altura. E o ano não acaba sem que seja lançada a primeira colectânea de singles
(This Is Sinatra), até porque A Voz
tinha voltado novamente aos tops (em 1958, surgirá o segundo volume).
No disco de 57, Sinatra surge na capa de olhos de fechados,
a dar o mote para aquele que talvez seja o momento mais intimista da sua
carreira, Close To You. São 12
canções, delicadamente orquestradas, reflexivas, contra a corrente (estávamos
no auge do rock’n’roll). E mais uma vez Sinatra canta, com um jeito quase
coloquial, como quem respira, as agruras do coração. Mas – esperem! – o ano
fecha com A Swingin’ Affair, ao qual
bastaria ter “Night And Day” a abrir, mas tem muito mais.
Where Are You (amor), Come
Fly With Me (viagens) no mesmo CD de Come
Dance With Me! (dança) e ainda Only
The Lonely, Look To Your Heart e No
One Cares (o amor, a falta dele) são os discos que se seguem e que revelam
as tão variadas facetas de um artista em fase inspirada.
A Capitol editaria ainda mais três discos e Sinatra tem pela
frente uma carreira de sucesso na sua própria editora (Reprise), mas os anos 50
ficarão como a sua década de ouro.