Este é o primeiro disco de originais de Dylan após o Nobel da Literatura de 2016. O bardo brinda a plateia com um disco que cita Shakespeare, uma e outra vez, coloca Anne Frank e Indiana Jones no mesmo verso e fornece à plebe mais uma mão cheia (qual mão? Uma praça delas...) daquelas frases prontas a citar, sempre a propósito porque francamente polissémicas. A morte, e isso nem é propriamente novidade na discografia mais recente, é uma constante ao longo do disco, seja na muito bem humorada “My Own Version of You”, uma espécie de Frankenstein musical, na épica “Murder Most Foul”, sobre a morte de JFK, ou melhor, sobre como a América se redime pela música, ou na belíssima “Key West”, a lenta peregrinação para a penúltima morada. Como quase sempre, Dylan é profundamente e exclusivamente americano. Mesmo quando o universo o endeusa, como sempre fez, ele recua às raízes americanas e é aí que ancora a sua voz. Uma vez mais, neste ano de peste, tudo gira em torno de uma mitologia americana, até quando se apropria da antiguidade clássica. O mesmo na vertente musical. Os blues, nas versões mais puxadas (“Goodbye Jimmy Reed”) ou nas mais calmas, ou o próprio cancioneiro americano, em que mergulhou nos últimos anos, definem um ambiente musical, que muito vezes é apenas isso, ambiente, como o dedilhar de uma guitarra sobre o qual Dylan estende a sua cada vez mais serena voz (“Black Rider”). Indiferente ao ar do tempo – não há aqui referência a qualquer traço de actualidade – Dylan afirma-se como poeta maior da condição humana contemporânea. Os da Academia sueca às vezes acertam.
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