LLoyd Cole and The Commotions - Collected Recordings 1983-1989 ****

Retrato de LLoyd enquanto jovem artista

A história, oficial e de bastidores, da curta vida dos Commotions, em 5 discos e um DVD. Manuel Morgado ouviu a caixa que consagra o início da carreira de Lloyd Cole

1984, além de ser o título de um famoso livro mais ou menos apocalíptico, foi um ano de boa colheita para a música pop-rock. O mundo, ao contrário do que previa George Orwell na tal obra, não caminhava para qualquer totalitarismo - visto de 2015, estava até em rumo bem recomendável -, e a indústria musical rejubilava com um novo formato: nos EUA, Springsteen lançava "Born in the USA", o seu primeiro disco a sair originalmente em CD. Na Grã-Bretanha, os Smiths lançavam o seu primeiro LP. Começar um texto sobre Lloyd Cole mencionando George Orwell, eis algo que o próprio Lloyd não desdenharia. No disco de estreia - sim, em 1984 - há referências a Simone de Beauvoir, Eve Marie Saint, Norman Mailer, etc, etc. O estudante de filosofia, acabado de chegar de Glasgow, exibia-se com toda a sua cultura, de forma um tanto petulante, apenas suportável porque a doseava com aquela fina ironia que apenas os britânicos cultos conseguem praticar. Nos seus 36 minutos, distribuídos por 10 canções, "Rattlesnakes" revelava uma banda com uma abordagem muito profissional e plena de energia e um autor e compositor de primeira água. "Perfect Skin" foi o primeiro single, mas "Forest Fire" e "Are You Ready to Be Heartbroken" não a deixariam sozinha nas preferência da crítica e do público. Sobre uma base musical pop, ancorada nas tradições folk/country e R&B, Lloyd Cole cantava - e ainda hoje o faz... - os triviais amores e desamores, filtrados pela tal intelectualidade irónica e um tanto cínica. A vitalidade desse primeiro disco seria adocicada nas gravações seguintes: "Easy Pieces" (86) e , especialmente, "Mainstream" (87). Entregues a produtores mais centrados no mercado, acabaram sem a espontaneidade da primeira obra. Mesmo assim, há neles canções perfeitamente incontornáveis, como "Brand New Friend", "From the Hip", ou "Jennifer She Said". Após uma digressão europeia, a banda acabaria por se separar (1989) e o líder prosseguiu uma carreira a solo, que tem alternado momentos discretos com outros mais exuberantes. A caixa que agora recupera a obra da banda contempla a versão integral dos três discos originais, sujeitos a uma suave remasterização, e junta-lhe outros dois, nos quais podemos ouvir lados B dos singles, gravações caseiras e alguns inéditos. Nada de muito surpreendente, porém. Confirma-se, por exemplo, o acerto da decisão de não ter feito da primeira versão de "Down at the Mission" o primeiro single, visto que se trata de um tema mais alinhado com a típica música dos anos oitenta e, logo, menos surpreendente e interessante. A caixa tem ainda uma colecção de fotos, um pequeno livro com um ensaio/reportagem sobre a história da banda, e um DVD com os clips originais e as passagens pela BBC. Muito interessante, não apenas porque este material tem estado fora do Youtube, mas também pela referência estética àqueles anos e pela oportunidade de vermos como os Commotions eram, de facto, bons músicos. Tudo combinado, é uma nova luz sobre a importância de alguém que nem sempre se tem dado bem com os tops, nem é propriamente influente, mas que pratica uma música confiável e com alguns momentos de grande criatividade. E que tem em Portugal uma das principais bases de fãs.

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