A gravação de versões serve, normalmente, para que o homenageador mostre ao mundo como o seu estilo interpretativo se mescla com o ADN dos originais. Se um músico de jazz faz uma versão dos Beatles esperamos uma versão jazzística dos de Liverpool. Simples: despe-se a canção das roupas originais e cola-se-lhe à pele uma outra indumentária. Com Bowie há, porém, uma dificuldade: ele deixou marca como autor e intérprete, mas as suas canções foram também fazendo história pela pose, traduzida na produção. É, por exemplo, difícil imaginar “Absolute Beginners” sem o “pam-pam-paroum” do coro masculino, ou até sem a cascata de piano... Não estando na pauta, aquilo faz parte da canção. Que fazer, então? Talvez numa versão que mantenha algumas daquelas peças no sítio e recomponha a cena. Ou talvez, mais radicalmente, inventando algo completamente novo sobre a canção original. O disco de David Fonseca não faz uma coisa, nem outra. O músico, que toca todos os instrumentos à excepção das cordas, como que equalizou as canções, numa massa sonora muito similar ao longo do disco, sem lugar à surpresa. Os cantores, um por canção, trazem o seu estilo interpretativo, mas nenhuma das canções, nunca pretendendo reproduzir o original, consegue descolar para algo de inovador, à la Bowie. Ou seja, versões competentes, mas (demasiado) bem-comportadas. Por exemplo, “Absolute Beginners”. A cortina instrumental é densa e arrastada, o que as cordas só acentuam, e Tiago Bettencourt tem a voz que tem e nunca arranha lá em cima, como Bowie tantas vezes fazia. Felizmente, o fado de Ana Moura toma conta da cena em “The Man Who Sold the World”, Reininho é vintage em “Where Are We Now” e – sim – o próprio David Fonseca é um belo Bowie em “Lazarus”.
Sem comentários:
Enviar um comentário