O mítico e místico Morrison
Um dos nomes mais importantes do último meio século apresenta-se em Portugal, num momento particularmente fulgurante da sua carreira. Manuel Morgado antecipa a passagem de Van Morrison pelo EDP Cool Jazz
No último ano, em bom rigor, nos últimos nove meses, Van Morrison lançou três discos. Isto, em si, já diria muito sobre o fulgor actual de um músico com mais de cinco décadas de carreia, sete de vida e mais de meia centena de discos gravados. Mas a apreciação quantitativa – três discos em nove meses – diz pouco e poderia até ser depreciativa, quando se nos apresentam três gravações que, como de costume com Van Morrison, estão uns bons furos acima da mediania e são, eles próprios, reveladores do percurso e da marca que este irlandês do mundo deixa na música. Isto porque, desde logo, os três discos organizam-se em torno da matriz de que é composto o seu estilo interpretativo muito peculiar: “Roll With The Punches” vai às raízes blues da América, a que não falta uma mão-cheia de temas assinados pelo próprio; “Versatile” foca-se nos “standards” (Porter, Gershwin), não faltando, mais uma vez, uma boa quantidade de canções assinadas pelo cantor; finalmente, “You’re Driving Me Crazy” é um exercício jazzístico, beneficiando da colaboração com o organista e trompetista Joey DeFrancesco e, adivinharam, mais uma vez com metade das canções assinadas pelo próprio, desta vez canções que já haviam surgido noutros discos. A gravação foi realizada em dois dias e a sonoridade pouco se diferencia de um disco ao vivo. Para que a palete de que se compõe o estilo Morrison ficasse completa ficam a faltar dois discos: um de música celta, outro com canções country.
Essa marca Morrison, por espantoso que hoje nos pareça, surge logo nos primeiros discos a que este natural de Belfast dá voz, com os Them, em 1965, data do seu primeiro e perene sucesso, “Gloria”. E é ainda com os Them que cunha os primeiros sucessos, sejam eles originais (“Mystic Eyes”, “Here Comes The Night”) ou versões (“Baby, Please Don’t Go”). Os seus primeiros discos a solo (“Astral Weeks”, de 1968, e “Moondance”, de 1970) são obrigatórios em qualquer enciclopédia da música pop-rock e consolidam de vez um estilo inconfundível: uma voz bailarina, frequentemente usada como um instrumento em vocalizos improvisados; um acompanhamento instrumental diversificado, quase sempre devedor do blues, e em que pontificam metais, órgão e guitarras e, novamente, o improviso. Essa sonoridade própria, estável mas sempre inquieta em busca de nuances, é a base sobre a qual o músico desenvolve uma postura por vezes acentuadamente mística, conferindo à sua música um carácter espiritual, não confundível com qualquer opção religiosa.
A sua longa carreira acabou se desenvolver nesse registo, sempre com essas constantes estilísticas, mas também sempre em movimento: discos de versões, discos celtas, discos de jazz, discos mais místicos, discos de duetos... E depois os concertos. É ao vivo que a música de Van Morrison encontra o ambiente propício a revelar todas as suas texturas sonoras, na liberdade dos improvisos de palco e da inspiração do momento. “It’s To Late To Stop Now”, de 2016, um CD triplo que junta gravações ao vivo é disso testemunha – ouça-se, por exemplo, “Listen To The Lion”... Não admira que os concertos que têm vindo a realizar nos últimos anos esgotem sempre, um sucesso que contrasta com a modesta performance comercial dos seus discos.
Norah Jones + Benjamim
Há dois anos, com “Day Breaks”, Norah Jones regressou ao princípio: jazz ligeirinho, ou, se quisermos, pop com roupagens de jazz. “Tragedy” é uma espécie de “Sunrise, Sunrise” sem o fulgor da novidade, nem a alegria da juventude. A pianista e cantora decidiu, pois, regressar a paisagens mais seguras e serenas, após uns tempos de aventura pela pop, em “The Fall” (2009) e, especialmente, em “Little Broken Hearts” (2012). É, pois, uma Norah conservadora, esta que agora se nos apresenta, voz em sossego, escondida atrás do piano. O inverso de Benjamim, uma das mais irrequietas vozes da cena portuguesa, tanto que até de nome tem mudado. Nos discos, o mesmo. Após a fase, digamos, parapsicadélica em que se chamava Walter, veio o registo português, em “Autorádio” (2015) e, no ano passado, o registo bilingue e multicultural de “1986”, com Barnaby Keen. Seja o que for que faça em Cascais, será surpreendente.
Jessie Ware + Jordan Rakei
A soul contemporânea é um mundo vibrante e em expansão de nomes e variantes. Jessie Ware, inglesa de Londres, afirmou-se como figura secundária no mundo da electrónica (Sampha, SBTRKT), antes de se lançar numa carreira a solo, que prossegue com segurança, embora sem sucesso comercial muito animador. Dona de uma voz que oscila elegantemente entre o veludo e a projecção firme, tem recorrido a uma vasta panóplia de autores, não tendo ainda acertado no “hit” salvífico. “Glasshouse”, de 2017, é o seu mais recente registo, um conjunto de canções com ADN soul com suaves floreados electrónicos. Jordan Rakei está-lhe nos antípodas, ou não fosse ele neo-zelandês. Multi-instrumentista, compõe, produz e canta, com voz colorida. Nos dois discos que já gravou (“Cloak”, de 2016, e “Wallflower”, de 2017) de revela uma grande amplitude, que vai da abordagem de R&B puro ao reggae ou ao hip-hop, apelando frequentemente à dança.
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