Norah Jones arrumou de vez o jazz e vai recriar no Campo
Pequeno a atmosfera delicada e contida dos dois últimos discos. Uma aventura
que apela à disponibilidade de quem a vai ver e ouvir
Aviso à navegação: esta Norah Jones é a nova Norah Jones, e
não a outra, aquela que tanto ouvimos no rádio e da qual (ah, sim, consultem os
arquivos) já andávamos todos um pouco enjoados, tal era a omnipresença sonora
de “Come Away With Me”, o megasucesso de estreia. Essa Norah Jones, talvez nem
fosse necessário recordá-lo, era uma miúda gira, de voz doce, exímia praticante
de um jazz ainda mais ligeiro que o de Diana Krall. Isso foi há uma década e a
rapariga – filha do sitarista Ravi Shankar, mandam as regras que se assinale –
arrecadou nessa altura uma data de grammys, isto para não falar dos dólares. O
encanto manteve-se e tivemos direito a nova dose dois anos depois, com o disco Feels Like Home e o novo megasucesso
“Sunrise”. “Sunrise, sunrise...”, lembram-se?
Pois, essa Norah Jones já não existe e convém que os mais
distraídos tomem disso boa nota, porque esse é um facto relevante para o que
aqui nos traz. A miúda tinha 23 anos quando ficou com o mundo a seus pés e – qualquer
terapeuta o comprovará –, muito aguentou ela, que o sucesso não é coisa de
fácil digestão. Mas, é a lei da vida, há idades tramadas e – desculparão a
incursão tablóide pela intimidade da artista – as miúdas giras apaixonam-se (as
outras também, mas isso não vem agora ao caso) e nem sempre as coisas correm
bem. São as dores do crescimento. Interior.
Chegamos assim a 2009. O jazz (já vos tinha dito que Norah
escrevia o que interpretava?) fica para trás e, coração perturbado, novos
trilhos musicais se apresentam. Eis-nos em pleno território pop, devedor,
embora, de alguma atmosfera indie. Dois discos – The Fall e Little Broken
Hearts, já deste ano – cunham uma nova Norah. As canções são mais íntimas,
mais sofridas, menos luminosas, autobiografias de males do coração. E vestem-se
de roupagens, digamos, menos simpáticas (há lá coisa mais agradável que o jazz
ligeirinho?). As guitarras, na primeira incursão, e a electrónica, na versão
deste ano pela mão de Danger Mouse, dominam as canções. É esta Norah Jones que
agora aparece por cá.
Miúda tímida – é verdade! – canções íntimas e atmosféricas. É
isto Norah Jones ao vivo nos dias que correm. Os sucessos dos primeiros anos, a
crer no alinhamento que já a acompanha desde América e a deverá levar ao resto
do mundo, ficam para os encores, o
que poderá ser uma autêntica chave de ouro para muitos dos que vão passar pelo
Campo Pequeno.
Os outros, espera-se que sejam a maioria, certamente irão à
procura da reinterpretação das texturas delicadas dos dois últimos discos. E é
nesse território que o concerto deve ser apreciado. Norah Jones canta, bem como
sempre, e acompanha-se ao piano e na guitarra, com o apoio de uma banda de
quatro músicos de estrutura pop clássica.
O sucesso de um concerto depende, por vezes, da empatia que
se gere entre quem está no palco e quem assiste. Já percebemos que Norah Jones
está numa fase particularmente sensível, de abertura a novas sonoridades,
experiências. Por uma vez, a dúvida está do lado de cá – é isso que esperam
muitos dos que a vão ver e ouvir?
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