Amália foi, não apenas a nossa melhor fadista, mas também a artista portuguesa que atingiu maior fama mundial. Esta edição é disso a prova, através da exposição exaustiva da sua passagem por Itália, onde durante três décadas foi tratada por Regina (Rainha) Amália.
Em 1966, Amália actuou no Lincoln Center e no Hollywood Bowl, acompanhada de orquestra, em 1970 lança o disco com Vinícius, em 71 sai “Amália no Japão”, em 72 “Amália em Paris” (o Olympia é de 57...) e, em 76, sai “Amália no Canecão”. Embora sempre tenha actuado com sucesso no estrangeiro, a década que se inicia em meados dos anos 60 foi uma era de ouro na carreira internacional de Amália. No entanto, foi em Itália que alcançou o maior êxito. A fadista percorreu o país de norte a sul, encheu as maiores salas, foi incensada pela imprensa – de tudo isso esta edição dá conta e documenta.
O grande segredo de Amália para essa conquista do mundo não foi, porém, o fado, mas sim o folclore. Nessa época, lançou o seu grande disco de fado, “Com Que Voz”, com os maiores poetas lusófonos musicados por Alain Oulman, mas edita também vários discos de folclore português, alguns deles reunidos nas colectâneas “Amália Canta Portugal”. É fruta da época: a apropriação do folclore pela música clássica, vinda do início do século, estende-se à música de grande consumo, seja na pop-rock anglo-saxónica, seja, por exemplo, por cá, com o outro grande vulto português desse tempo, José Afonso. É, aliás, em 1971 que se estreia na televisão “Povo que canta”, com as recolhas etnográficas de Michel Giacometti.
Não é, por isso, de estranhar que, nesta edição, das cerca de 60 interpretações que recolhe, surjam apenas pouco mais que meia dúzia de fados. É certo que um dos discos é especificamente dedicado ao folclore italiano (e essa é outra peculiaridade da relação de Amália com o país), mas mesmo no disco que reúne a sua atuação no Teatro Sistina (Roma, Novembro de 76) o fado é escasso e o palco é todo para o folclore, seja ele português, italiano ou espanhol, ou para as derivações, como seja o “Porompompero”, um grande êxito castelhano da época que Amália incorpora no seu repertório ao vivo.
Itália, o carinho e entusiasmo com que é recebida, marcam também uma mudança mais funda em Amália. Apoiada pelos avanços tecnológicos (microfones portáteis), movimenta-se pelo palco, desenvolve grandes gestos, que definirão a sua imagem, e, tendo como pano de fundo o coro da assistência, desenvolve aquele improviso entaramelado (trálaralá) que se torna marca de água quando sai do fado e interpreta temas populares.
Esta edição, coordenada por Frederico Santiago, integra-se na cuidada reedição das suas obras iniciada há poucos anos, e disponibiliza pela primeira vez entre nós registos inicialmente destinados ao mercado italiano.
O primeiro disco reproduz o LP “A Uma Terra che Amo” (1973), que reúne dez temas do folclore italiano de vários séculos e regiões. Nos extras, surgem coisas tão dispersas, mas interessantíssimas, como versões de canções do festival de Sanremo (“Canzone Per Te”, celebrizada por Roberto Carlos), versões italianas de “Coimbra” e “Barco Negro”, ou mesmo um fado em italiano “Mio Amor, Mio Amor”, com letra de Ary dos Santos).
Os outros dois discos recuperam gravações ao vivo. A integral de “Amalia in Teatro” (76), com folclore em três línguas (impecável, o italiano falado e cantado de Amália) e alguns fados. Muito interessante, a definição de fado com que introduz “Povo que Lavas no Rio”: fado é o destino (do latim “fatum”), um “destino bruto, cativo, triste”.
O terceiro disco junta gravações ao vivo realizadas em vários locais de Itália para um documentário de Augusto Cabrita, que acabou por nunca ser editado e cujas imagens desapareceram. E essa talvez passe a ser a grande falha na história de Amália – agora, que começamos a ter acesso até a algumas gravações perdidas, é pena que toda a força das suas actuações ao vivo não nos seja devolvida através de gravações de vídeo. Existirão?
1 comentário:
Uma simplicíssima opinião minha: o que mais gosto em Amália,artista única em qualquer característica que se considere, é,dizia, a qualidade do português que Amália utiliza,na dicção,na pronúncia,no acerto fónico. É um prazer sempre repetido escutá-la.Obrigado Amália!!!
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