Annie Lennox - Songs of Mass Destruction **

Annie Lennox é uma pessoa preocupada com o planeta, a SIDA em África, a condição da mulher e mais umas três ou quatro causas justíssimas. Mas Annie Lennox é também uma pessoa deprimida. Isso nada de tem de estranho - muitas das pessoas que se preocupam são pessoas infelizes. Felizmente, nem todas gravam discos. Songs of Mass Destruction é um disco incómodo e isto não é propriamente um elogio. A primeira canção chama-se Dark Road e é isso mesmo, na segunda passa-se ao suicídio explícito e a continuação não é mais risonha. A toada é toda ela deprimente, seja pelo banal desamor, seja por dores de alma variadas. A artista solidária revela-se numa megaprodução (Sing, com o recurso a um coro de 23 sisters, de Madonna a Joss Stone, de Isobel Campbell a Beth Gibbons…), um Live Aid no feminino contra a propagação do HIV em África. Há ainda Womankind, um rosário de queixas (amorosas?) envoltas num despropositado feminismo. O incómodo pela insistência na temática depressiva é reforçado pela vertente puramente musical. Tudo fica ainda mais pesado devido a uma sobreprodução que envolve todos os temas em orquestrações gongóricas a servir a habitual interpretação histriónica de Lennox. Salvam-se duas ou três canções que escapam à escrita monocórdica e martelada, principalmente as baladas, Fingernail Moon à cabeça. E os Eurythmics, sim, os Eurythmics? Bom, esses são ressuscitados, inteirinhos, em Coloured Bedspread. Obrigado pela nostalgia.

Elton John - Live At The Madison Square Garden *****

Elton John é um dos mais menosprezados artistas do nosso tempo. Recorrendo a uma teoria muito em voga, as elites, ou seja, a crítica, não suportam o seu populismo, o seu jeito para fazer as canções de que o povo gosta. É óbvio que, em quase quatro décadas de carreira, acumulou uma quantidade de lixo razoável, momentos menos bons, chatos mesmo, mas a verdade é que, em dupla com Bernie Taupin, assinou umas dezenas (sem exagero…) de verdadeiros clássicos da música popular – Candle In The Wind, Your Song, Crocodile Rock, Sorry Seems To Be The Hardest Word… E criou um estilo, fortemente assente na melodia, que muitos consideram ser a melhor continuação dos Beatles. Este DVD resulta do concerto com que celebrou o 60.º aniversário, no Madison Square Garden, em Nova Iorque, em Março deste ano, rodeado de amigos e celebridades (Robin Williams apresenta-o como “o homem que fazia Liberace parecer-se com um hamish”…). Estamos perante uma autêntica maratona. Só de concerto são mais de três horas, com uma parte substancial preenchida com canções que nunca foram aos tops. E é nessas (High Flying Bird, Empty Garden…) que se percebe a constância do génio artístico de Elton – mesmo para quem conhece a sua carreira, é por vezes difícil descortinar a que época pertencem algumas canções. Mas a maratona estende-se à edição em DVD, já que os extras quase fazem saltar a duração para o dobro, recuperando velhas actuações ao vivo e na televisão. Uma extravagança eltoniana.

Don Tapscott, Anthony D. Williams - Wikinomics ****

Imaginem que uma adega cooperativa do Alentejo colocava em debate, no Second Life por exemplo, novas formulações para elaborar um tipo de vinho mais apetecível às novas gerações. Ou que criava um projecto em rede em que um dos fornecedores faria a contabilidade de todos, outro geria os recursos humanos da comunidade e por aí fora. Imaginar tudo isto é fácil, difícil será encontrar um caso verídico. Mas é disso que trata este livro – exemplos e mais exemplos de como as empresas estão a tirar partido da chamada web 2.0, a rede que permite a colaboração simultânea e instantânea de todos, que transforma os consumidores, de informação ou outra coisa qualquer, em produtores. Uma prospectora de ouro que colocou online o mapa de tesouro para que todos pudessem pesquisar, ficando obviamente ela com os lucros, é o exemplo mais acabado de até onde pode chegar esta nova filosofia de gestão, uma “viragem histórica” na economia e na sociedade, como acentuam os autores. Duas ressalvas. Portugal (e mesmo a Europa…) está a milhas de tudo isto. Por cá ainda impera o conceito de empresa fechada, que guarda os seus segredos e que olha com desconfiança tudo o que não pode controlar de forma hieráquica. Segunda ressalva: mesmo nos EUA, a visão de Tapscott e Williams é excessivamente eufórica – muitas das empresas fingem recorrer à Net porque isso as torna mais apelativas e não porque estejam realmente interessadas em mudar o ciclo produtivo. Enfim, um manual recheado de casos para contrapor à tese de que a web 2.0, no fundo, nada mais é que a “mediocridade das massas”.

Bruce Springsteen - Magic *****

No seu último romance, A Estrada, Cormac McCarthy descreve uma América devastada por um cataclismo, numa parábola sobre a incomunicabilidade dos nossos dias. É esse o exacto ambiente em que decorre este disco de Bruce Springsteen. A mesma desolação, o mesmo ambiente sufocante, o mesmo odor a morte. Aqui apenas é mais perceptível e presente a razão da tragédia – a guerra do Iraque, nunca directamente citada, mas evidente em pelo menos três canções (Gypsy Biker é a encenação cortante do regresso dos caixões), ou – e é do mesmo que falamos –, o desrespeito pelos valores fundadores da América. “Who’ll be the last to die for a mistake?”, pergunta-se a certa altura. E mesmo nas canções aparentemente mais líricas, como em Long Walk Home (a América dos grandes espaços, o eterno regresso a casa…), lá surge uma voz muito antiga a lembrar o significado da bandeira. Até as poucas canções de amor nunca o são verdadeiramente. Radio Nowhere, que abre o disco, dá o tom. Na desolação (Is there anybody alive out there?), no desencanto, mas também na energia musical, que nos faz recuar umas duas décadas, até aos tempos mais vibrantes da E Street Band. Este é, pois, o regresso de Springsteen ao rock musculado, após a aventura folk de Seeger Sessions. A mesma batida de Born to Run, a omnipresença das guitarras, o saxofone de Clarence Clemons que irrompe dançante a cada esquina, a voz, quase sempre múltipla, a completar a epopeia. Um disco a que apenas falta (faltará?) um hit para as rádios.

James Blunt - All The Lost Souls **

Nunca vos aconteceu? Há um equívoco ao primeiro contacto e depois, bom, depois é um desatino até as coisas entrarem nos eixos. Com James Blunt, muitos consumidores correm esse risco. Porque You’re Beautiful, o mega-hit que há dois anos o deu a conhecer ao mundo, era um razoável equívoco. Sim, mais um galã de voz efeminada (que raio, a história da música está cheia deles…) a fazer-se aos tops. Mas quem se detivesse mais atentamente nesse Back to Bedlam ficaria a conhecer um compositor sólido a que nem faltava a angústia pelas oscilações da alma. Chega agora a segunda dose e o capitão James Blunt (esteve no Kosovo e às vezes lembra a história nas canções) surge desarmado de mega-hit. Quase nu, portanto. Exposto para nosso deleite. E o que mais impressiona é como um tipo nascido em 1974 grava em 2007 um disco que poderia muito bem ter sido editado em 1973, título da primeira canção e hit possível já a rodar por aí. A quantidade de música que estes compositores modernos absorveram… Neste All The Lost Souls confluem Elton John, Al Stewart, Cat Stevens, ou mesmo o McCartney e mais uma data deles em doses muito consideráveis nos seus registos mais baladeiros, e nem faltam autênticas assombrações (One Of The Brightest Stars, por exemplo, é escandalosamente Gilbert O’Sullivan). Um disco agradável, que se ouve sem qualquer risco de entusiasmar em demasia. As fãs que levaram a sério aquele You’re Beautiful é que poderão ficar um tudo-nada desiludidas. Talvez no próximo…