Seasick Steve - Man From Another Time ***

O êxito de I Started Out With Nothin’ And I Still Got Most Of It Left (2008), o terceiro disco deste sexagenário excêntrico, colocou bem alta a fasquia das expectativas.
O homem é do mais arcaico que há. Constrói as próprias guitarras, com uma ou quatro cordas, às vezes a partir de caixas de charutos. Grava em estúdios analógicos e todos os sons que ouvimos, menos a percussão, são de sua autoria. Uma espécie de reinvenção radical dos blues.
Man From Another Time, a começar pelo título demasiado explícito, é, porém, um disco em que já se perdeu a inocência e pouco mais tem para se mostrar que a exuberância mecânica de um certo estilo. Um disco de manutenção, portanto.
“That’s All” é uma excelente canção, quase radiofónica. “Diddley Bo”, executada com uma guitarra do mesmo nome, é uma óbvia homenagem a uma das principais fontes de inspiração. Boogie vibrante, há-o a encerrar, e baladas como “Just Because I Can” não se ouvem todos os dias.

Jacinta - Sings Songs Of Freedom ***

Há um objectivo claramente comercial neste disco e isso está longe de ser censurável. Jacinta tem uma excelente voz, um nome firmado no pequeno mundo do jazz luso e, admita-se, até alguma projecção para lá dessas duas fronteiras.
Os êxitos dos anos 60, 70 e 80 referidos na capa são originais de gente tão díspar como os Bee Gees, U2, Beatles, Beach Boys, Bob Marley ou Stevie Wonder. Temos, então, genericamente canções pop adaptadas à linguagem jazz, sendo que as versões ficam a meio caminho, tentando agradar a públicos dos dois mundos.
“How Deep Is Your Love” ou “Sir Duke”, por exemplo, talvez fiquem excessivamente agarradas ao original. Já em “And I Love Her” ou “Where the Streets Have No Name” assume-se mais o risco.
Pena que o arrebatamento de “Redemption Song”, especialmente na versão ao vivo, não tenha contaminado todo o disco, quer na interpretação, quer na escolha do repertório. Mesmo assim, uma boa alternativa às xaropadas próprias da época natalícia.

Tom Waits - Glitter & Doom Live *****

Bastavam os extras para colar a etiqueta de “obrigatório” neste disco. Os extras são, nada mais, nada menos, que 36 minutos de histórias, piadas e bizarrias, contadas por Tom Waits nos intervalos das canções, e aqui reunidos num CD, como se de um “stand-up” se tratasse. Desde as leis estúpidas do Oklahoma, ao “museu do spam”, ao motivo pelo qual os ratos não comem apenas porque têm fome, ao trocadilho entre a percentagem de homens “importantes” e “impotentes”, passando por outras balelas fundamentais para o futuro da Humanidade, de tudo Tom Waits se lembra de contar para puro divertimento de quem o ouve.
Quando se passa do segundo para o primeiro disco, a coisa não melhora… Mantemo-nos nesse bizarro e perturbante universo de um dos mais fascinantes autores, músicos e cantores das últimas décadas. A Rolling Stone chamou-lhe “one man circus”, expressão que lhe assenta que nem uma luva, desde logo pela temática onírica que criou, toda ela cheia de personagens bizarros, mas igualmente porque a sua música – e isso é especialmente audível nesta gravação – deve muito ao mundo dos cabarets e circos. Quando canta “I’ll Shoot The Moon” quase o imaginamos no arame, com o saxofonista lá em baixo acompanhando a valsa de uma bailarina decadente.
Glitter & Doom Live junta 17 canções gravadas, em 10 cidades diferentes, durante a digressão americana e europeia do Verão de 2008. Waits faz-se acompanhar de cinco músicos que reinventam, literalmente, canções de quase toda a sua carreira. Mas o destaque vai, inteirinho, para a voz, ora sussurrante, ora projectada, como um instrumento musical. “Green grass”, cantada ao nosso ouvido, tem direito a assobio, “Goin’ Out West” transforma-se num boogie-woogie infernal, “Dirt In The Ground” é a balada herdeira do folk. A criatividade parece não ter limites.

Norah Jones - The Fall *****

Talvez o céu seja o limite para esta menina, nascida há 30 anos em Nova Iorque e que nunca precisou do nome do pai (Ravi Shankar) para dizer ao que vinha. Ao quarto disco, confirma que é uma compositora de rara elegância, mostra uma voz tão fresca como no primeiro dia em que a ouvimos e, acima de tudo, revela um apetite pela aventura musical que só lhe pode augurar o melhor.
Estamos longe, a léguas, da enorme surpresa da estreia (Come Away With Me, 2002), um disco que revelava uma nova e lindíssima voz e uma menina com muito jeito para compor canções que cruzavam delicadamente o jazz e a pop. Mas, nesse e no segundo CD, o registo era marcadamente tradicional. Na estrutura das canções e, principalmente, no modo de as abordar. Norah Jones poderia ter continuado esse caminho, o filão parecia inesgotável. Mas, em Not Too Late (2007) e, especialmente, neste The Fall, as estruturas clássicas do jazz ligeiro são definitivamente deixadas para trás e a compositora mostra-se em toda a sua plenitude.
Estamos perante um disco assumidamente pop. Mas um pop que arrisca, que frequentemente se deixa contaminar pelas texturas indie – “Stuck”, por exemplo, é uma das mais belas canções dos últimos tempos. Já “Chasing Pirates”, que vai certamente rodar nas rádios, bebe deliberadamente nos anos 80. Há restos de swing em “Waiting” e “Tell Yer Mamma”. E há baladas qb.
Mas isto é dizer pouco. Porque o mais marcante deste disco é o som global, completamente dominado pelas guitarras, em vários registos, mas raramente clean. Tudo na exacta medida para fazer sobressair as composições e a voz.
A edição Deluxe tem três destas novas canções cantadas ao vivo e ainda três covers (Wilco, Johnny Cash e Kinks), elas próprias reveladoras da nova Norah Jones.

Joss Stone - Colour Me Free! ***

Reinventa-te ou morre. Este é o destino que a indústria musical destina aos medianos. Os outros, os extraordinários, reinventam-se, ou não, a seu bel-prazer.
Joss Stone é uma rapariga mediana, apesar do estrondo que foi a sua estreia há seis anos. Afinal de contas, não é todos os dias que uma adolescente linda (16 anos) põe cá fora um disco de soul com a mesma garra dos que por aí andam há décadas. Durou dois discos, esse encantamento. Ao terceiro (Introducing), já a rapariga procurava outros caminhos, menos conservadores.
Esta quarta gravação procura a síntese entre o classicismo dos dois primeiros e a modernidade do terceiro. O resultado não entusiasma por aí além. O soul divide agora o palco com o funk, bem cantados, é certo, mas sem a garra dos primeiros discos, nem nada que os distinga de tanta música que todos os dias se edita. “4 and 20” é uma bela balada soul; “Parallel Lines”, um funk aceitável. Mas ainda não é esta reinvenção de Joss que lhe vai garantir a glória eterna

Sting - If On A Winter’s Night… *

O Natal tem destas coisas – um belo laçarote esconde por vezes uma prenda sem graça. Época de boa vontade, sabendo-se que dela está o Inferno cheio. Este disco de Sting é lindo. Quer dizer, a capa, o livrinho, o DVD, o selo da Deutsche Grammophon na contra-capa… Como se de uma obra clássica se tratasse. E, na realidade, até por aqui surgem peças de Purcell, Schubert, Bach, a par de outras de autoria própria e de algumas tradicionais. Canções de Inverno, sombrias, mas também de júbilo, pelas neves, pelas alegrias do Natal.
O problema, o grande problema, é a concretização de tudo isto. Os arranjos, entre um classicismo light e as influências folk, a fazer lembrar, por exemplo, as aventuras de Enya, até nem são o pior. Má mesmo é a voz de Sting, completamente fora de contexto, monocórdica, chegando mesmo a ser desagradável. Um projecto destes exigia obrigatoriamente uma voz moldada pelos cânones clássicos. Em vez disso, temos uma voz dura, sem qualquer maleabilidade. Confrangedor.