Arcade Fire - The Reflektor Tapes ***

Os extras incluem um DVD inteirinho com a gravação de um concerto em Earls Court, quase duas horas em redor de “Reflektor” e um ou outro salto aos discos anteriores. A realização é banal, mas os concertos dos Arcade Fire não precisam de grandes artifícios para se tornarem em algo memorável. Ainda no capítulo dos extras, há os vídeoclips realizados para “Reflektor”, especialmente o de “Afterlife”, dirigido por Spike Jonze e interpretado por Greta Gerwig (“Frances Ha”). O menos interessante do conjunto acaba por ser a sua peça central, ou seja, o filme de Kahlil Joseph, um objecto de difícil definição, talvez porque demasiado pretensioso, tentando alcandorar-se a ensaio, quando não passa de uma colagem de segmentos, por vezes um tanto entediante. O objetivo é mostrar-nos o processo criativo da banda através das personalidades dos seus dois actores principais (Win Butler e Regine Chassagne). Ficamos a saber muito pouco. 

Them Flying Monkeys - Golden Cap ***

A tentação mais evidente será a comparação com os Tame Impala, influência evidente desta sonoridade psicadélica arrancada aos anos 70. Mas a banda de Sintra vai um pouco mais atrás e deixa-se contaminar pelos delírios de Barrett nos Pink Floyd iniciais, por exemplo em “Yellow Hearts”, ou, de forma ainda mais imersiva em “Halos”. Esse fascínio um tanto exagerado e datado pelos sintetizadores, pelas vozes e coros distorcidos, pelas quebras sucessivas de ritmo, crescendos e mudanças súbitas de tom compromete decisivamente amplitude desta música (“Leave to Relief” é quase um catálogo de efeitos sonoros). Os Tame Impala, leia-se, o sucesso comercial, fica assim comprometido por essa atmosfera demasiado planante e um tanto obsessiva. Nada disto parece fruto do acaso, até porque, apesar da juventude da banda de Sintra, o som é já bem profissional e bem construído. Agora é deixar rodar a ver o que dá.

Elbow - Little Fictions ***

Começando pelo fim. “Kindling”, a base rítmica de “Kindling”, faz lembrar os Velvet Underground. Mais exactamente “Sweet Jane”. Mas as semelhanças ficam por aí. Essa é a máxima crueza musical que os Elbow concedem a si próprios, sendo que a postura vocal muito “cool” de Guy Garvey ajuda à comparação. A banda britânica mantém-se preferencialmente em territórios mais aveludados, de que é bom exemplo o tema de abertura, “Magnificent (She Says)”, no seu compasso muito certinho, dramatizado por umas cordas de banda sonora. O CD sela o fim de um silêncio de três anos, marcado por pequenas mudanças na banda e na vida dos músicos, o que se reflecte numa toada bem mais luminosa das canções. À qual nem sequer faltam as referências um tanto sarcásticas ao Brexit, em “K2”. O resto são as pequenas histórias (“Little Fictions”), com o amor no centro, e espirais de som em redor (“Firebrand & Angel”, por exemplo).

Lula Pena - Archivo Pittoresco ****

Todas as canções numa só. Como num continuum, em que apenas os limites fisiológicos ou tecnológicos obrigam à quebra, à descontinuidade. Todas as línguas a destilarem sentido, do francês ao crioulo, do castelhano ao grego, do inglês ao puro murmúrio. Todas as músicas enlaçadas numa música universal, em busca talvez da raiz comum. O phado, sim esse fado, as mornas, o samba, a chanson, o indefinível. Em palco, é por vezes difícil perceber onde acaba Lula Pena e começa o violão, onde acaba o dedilhar e entra o tamborilar. Em disco, esse movimento é congelado no momento e temos sempre a sensação de que foi assim naquele momento, porque fosse outro e outro movimento ficaria registado. Música orgânica, gosta de dizer a autora, compositora, intérprete. Como se a música fosse a sua natureza, pouco importando que, em duas décadas, este seja apenas o terceiro registo (“Phados”, em 1998 e “Troubadour”, em 2010). Este que agora ouvimos resulta de uma encomenda feita em 2014. O resto do tempo passa-o Lula Pena em cena e impressiona visitar a sua página no Facebook e perceber como o mundo, especialmente a Europa, a ouve, e como os media de referência desses países lhe registam tão atentamente o percurso. Numa dessas entrevistas, a definição do que pretende fazer em palco: “acupunctura, tocar o ponto emocional de cada espectador. É esse o poder da música”. E é, afinal, isso que acontece, mesmo neste formato frio do digital. Mesmo o ouvido mais empedernido pelos tops da moda haverá de reagir às agulhas de melodia e melancolia que por aqui tão generosamente são oferecidas. Talvez – é só uma ideia – começando pelo fim, pela mais fácil “Come Wander with Me”, da banda sonora de Twilight Zone.

Momo - Voá ****

Quando, ao fim de minuto e meio de doçura e delicadeza de Momo, a voz de Camané irrompe poderosa, “Alfama” dispara em todas as direções. É samba? É fado? É valsa? Flamenco? Pouco importa, na verdade. Que a graça desta música é essa mesmo. Isto é, na verdade, música brasileira até ao osso (“Pensando Nele”), tem o doce balancear dos trópicos, mas não se deixa aprisionar no samba, na bossa ou em qualquer outro formato (“Mimo”, escrita com Rita Redshoes”). Momo (Marcelo Frota) é ele próprio um cidadão do mundo (“Song of Hope”), mineiro de nascimento, em Alfama há um ano, com passagem por vários pontos do globo. A sonoridade, mais luminosa e complexa que a dos seus quatro discos anteriores, deve-a à produção de outro brasileiro de Lisboa, Marcelo Camelo. Uma música ondulante, quase dançante, assente numa poética introspectiva (“Roseiras”) e melodias planantes (“Esse mar”). Bem bonito.