Emmy The Great - Second Love ****

"Second Love", título deste disco, é também um site de encontros para gente casada. Em "Hyperlink", Emma declama que "o amor é a resposta", mas declara logo de seguida que ela própria não passa de uma "confortável mentirosa". Em que ficamos, afinal? Na dúvida, claro. Esse sentimento, de duplicidade (on-off /real-virtual) e mesmo de falsidade, das redes sociais, omnipresentes em quase todas as canções. Mas de duplicidade também nas coisas mais sérias (serão?) da vida, como o amor e a falta dele. Este é, portanto, o disco perfeito para estes dias de encantamento, pelos e através dos ecrãs, seja de computador ou de telemóvel. As canções continuam a dever à folk, como no primeiro disco ("First Love", 2009), mas a abraçar, sem rodeios, a electrónica ou a simples electricidade, para criar cenários musicais de grande economia, mas de grande beleza, quase divertidos na sua diversidade. Como uma criança que brinca aos sons. 

Música para soar e suar
Florence + The Machine [Meo Arena, 17 ABR]


Poucos meses depois de terem enchido e incendiado o Meo Arena, Florence + The Machine regressam com a mesma receita. Como escreve Manuel Morgado, estas canções assombradas acabam por fazer bem à alma 

A última vez que Florence esteve em Portugal foi também no Meo Arena e o concerto acabou com ela de soutien a incitar a plateia a tirar também uma peça de roupa, ao som de "Dog Days Are Over". A ideia é vermo-nos livres do que não precisamos... É certo que estávamos em Junho, num Super Bock Super Rock de pavilhão esgotado, e a temperatura convidava até a tirar mais que uma peça de roupa... Mas também é verdade que os espectáculos dos Florence + The Machine costumam atingir uma tal intensidade, mesmo no sentido físico, que ninguém deverá queixar-se de eventuais baixas temperaturas neste regresso noutra estação. 
A música de Florence, a forma como é orquestrada e especialmente o modo como é cantada - há quem diga "gritada" -, é feita precisamente a pensar nos concertos de grandes espaços, de preferência em plateias que permitam alguma comunhão com a assistência. Porque se aqui não há qualquer espaço para a intimidade, tal é a intensidade dos décibeis, a cantora faz questão de manter uma grande interactividade com o público, ora contando as histórias, quase sempre autobiográficas, por detrás das canções, ora de uma forma ainda mais próxima, por exemplo, oferecendo flores. 
 Embora tenha estabelecido um estilo muito próprio e rapidamente identificável, nota-se que Florence Welch ouviu muito (e viu...) Kate Bush, mas que também interiorizou um sentido de espectáculo a que nos habituou, por exemplo, Madonna (na entrega e na plasticidade do espectáculo), e até mesmo os Led Zeppelin, sendo que as piruetas e a forma como se desloca com rapidez e àvontade pelo palco fazem lembrar os melhores dias de Robert Plant. A digressão mundial que agora está a realizar insere-se na promoção do seu último disco, "How Big, How Blue, How Beautiful" (2015), um tudo nada menos histriónico que os anteriores. Mas estes são também concertos em que a banda aproveita para revisitar os temas das edições anteriores: "Lung" (2009) e "Cerimonials" (2011). É, por isso, expectável que pelo Meo Arena desfilem todos os temas que já tornaram os Florence + The Machine num poderoso fenómeno de vendas (o disco mais recente subiu ao primeiro lugar dos tops do Reino Unido e dos EUA). Em Lisboa vão, por isso, ecoar de novo versões aditivadas de "Shake It Out", "Ship to Wreck", "What Kind of Man" ou "You've Got The Love". 
Os portugueses já o sabem (além da passagem pelo SBSR, a banda visitou-nos, em 2010, logo após o lançamento do primeiro disco): a um concerto dos Florence + The Machine não se vai para ficar sentado, ou sequer quieto. Seja por identificação com a irrequietude de Florence em palco, seja pelo próprio apelo da música (uma mistura de raízes folk, que no terceiro disco ganhou contornos soul mais acentuados), é tempo de dançar e saltar. No fundo, deitar cá para fora todos os fantasmas, amores e desamores e outras dores, que povoam e assombram esta música. A ideia é mesmo essa: exorcizar, pela exposição e pela intensidade, tudo o que nos corre menos bem. E assim, de forma um tanto paradoxal, esta acaba por ser música que faz bem. Ao corpo e à alma.

Elliott Smith - Heaven Adores You ****

Elliott Smith morreu aos 34. Neste disco, há um longo e complexo tema escrito e gravado aos 13. Discos oficiais, há apenas cinco, a que se juntam um póstumo e uma grande colectânea. Mas essa é a história oficial. Ao longo dessas duas décadas, de forma quase obcecada, foi escrevendo e reescrevendo canções, gravando versões atrás de versões. Muitas dessas gravações andam por aí, na selva digital. Este CD recolhe uma boa mão-cheia, a pretexto da banda sonora de um documentário sobre o músico de Portland lançado em 2015. "True Love" é, de longe, o tema mais surpreendente, uma canção de leve inspiração beatleana (Lennon), com uma letra que oscila entre a luz e as cinzas e instrumentos que se desenvolvem em intermináveis camadas. Muito interessantes são igualmente os excertos instrumentais, dominados pelas guitarras, precisamente porque se percebe que poderiam ter sido muito mais que apenas isso. Um disco para descobrir um alma inquieta.

Old Jerusalem - A Rose Is A Rose Is A Rose *****

Não há propriamente uma ruptura - as cordas, por exemplo, já conhecem os cantos à casa - mas nunca os Old Jerusalem tinham permitido uma tão avassaladora invasão orquestral. E o resultado não deixa de ser surpreendente, na medida em que a delicadeza que conhecíamos nesta música em nada é afectada, antes pelo contrário, ganha ainda mais espaço de respiração, como bem se ouve em "Airs Of Probity". Para quem agora chega a este som, um breve esclarecimento: Old Jerusalem é um projecto de geometria variável, alimentado, há década e meia, por Francisco Silva, a partir do Porto. Este é o seu sexto trabalho de longa duração, sendo que o disco anterior, de título homónimo, data de 2011 e, precisamente, é completamente dominado pela guitarra acústica sem muitos artifícios, numa assumpção plena do folk. Agora, mercê de uma intensa colaboração com Filpe Melo (piano e orquestrações), as canções enchem-se de sonoridades várias, que sublinham as linhas melódicas de grande elegância e dão ainda mais destaque a uma bela e ainda mais versátil voz. O tema que dá título ao disco é, talvez, o melhor exemplo desse novimento: começa com uns compassos dolentes de jazz, adorna-se de acordes marcantes de guitarra acústica, recebe o piano e outras teclas, só lhe ficando a faltar as cordas, que surgem logo a seguir, em "All The While". É muito difícil destacar um ou outro tema, já que se trata de uma colecção extremamente homogénea, com a temática da passagem do tempo como elo de ligação, e cada canção é meticulosamente acarinhada na vertente orquestral. É natural que se ouça por aqui Kings of Convenience, Iron & Wine ou Lambchop. Não se trata de influências, antes de identidade. Com a mesma naturalidade com que se cita Kris Kristofferson em "Twenties".