Neil Diamond - Home Before Dark *****

Provavelmente, a maioria daqueles a quem este disco se destina estarão ainda traumatizados por essa incrível xaropada musical e cinematográfica a que chamaram Fernão Capelo Gaivota (1973). Gente que já viveu meio século. Mas essa náusea de gaivotas românticas é relativamente injusta.
Neil Diamond escreveu para a voz de outros alguns dos maiores sucessos dos anos 60. Manteve-se activo. E agora renasceu em vida, pela mão de Rick Rubin, o mago da última fase de Johnny Cash, para uma encarnação de simplicidade radical.
Foi em 2005 que, com 12 Songs, começou a colaboração com Rubin e que a carreira estagnada de Diamond conheceu um sobressalto. O trabalho de produção despiu-lhe as fanfarras e as orquestras melosas e deixou-lhe apenas guitarras, pianos e um ou outro discreto arranjo de cordas. Sobressaía, assim, a enorme força de uma voz amadurecida a servir canções de grande recorte clássico.
A receita repete-se integralmente com este Home Before Dark. Diamond surge simultaneamente poderoso, pela composição rigorosa e pela lírica profunda, e frágil, sem grandes artefactos de produção que lhe escondam as fragilidades da idade.
Continua um romântico incorrigível, mas os anos deram-lhe a sabedoria da sobrevivência perante os desaires do coração. Nada de muito grave, apenas canções sem consequências de maior. Grandes canções, como “Pretty Amazing Grace”, “The Power Of Two”, ou “If I Don’t See You Again”. Ou o sentido de humor de citar um dos seus maiores sucessos, “Song Sung Blue”, na fracção de segundo inicial de “Act Like a Man”.
Rubin leva-o ainda a cantar Dylan ou Simon and Garfunkel, acentuando assim o paralelismo com Cash. Sabe-a toda, este Rick.

Frank Sinatra - Nothing But The Best ******

Oh não! Outra colecção de sucessos de Frank Sinatra??? Mas as lojas não estão cheias disso? Estão, é verdade, e vão encher-se ainda mais. A Voz calou-se fez este mês uma década e, evidentemente, as editoras iam lá deixar passar esta oportunidade para vender, perdão, celebrar o talento imenso do maior cantor do século XX e arredores. Por isso, habituem-se
Mas na selva de reedições e compilações, nem todos os os gatos são pardos. Este disco, por exemplo, deve ser agarrado com as ambas as mãos. Por exemplo, por quem quer ter apenas um disco de Sinatra. Ou por quem quer ser apresentado como deve ser a Sinatra. Ou por quem comprou alguma dessas colectâneas apressadas que por vezes aparecem.
Nothing But The Best é isso mesmo, o melhor do melhor de Frank Sinatra. Os 21 temas deste disco foram gravados na década de 70 para a Reprise, a editora criada por Frank, após um período de desilusão com a Capitol. Na nova editora, ele tinha o comando artístico e escolheu quem bem quis para lhe escrever canções, fazer os arranjos ou acompanhar em estúdio. Regravou algumas canções, escolheu os melhores clássicos e subiu aos tops com algumas das canções com que mais o identificamos. São desta época, por exemplo, “Strangers In The Night”, ou “My Way”.
Ouvir Sinatra cantar como quem respira, embalado com orquestrações ora sumptuosas, ora de uma delicadeza extrema (“Bewitched”) – ouçam bem a orquestra de Count Basie em “Fly Me To The Moon” – é, acreditem, nas melhores experiências que a música nos pode oferecer.
Esta edição contém ainda um tema (“Body and Soul”), com arranjos contemporâneos para a voz gravada em 1984, e um DVD com um espectáculo de 1971. Tudo isto é tão bom que, nessa década de 70, Sinatra simplesmente desistiu de gravar.

Phoebe Killdeer

Agora, andam a apresentar a rapariga como a nova PJ Harvey. O que, diga-se de passagem, até nem está mal visto. Até porque já cansava a anterior apresentação: ela era uma das vocalistas dos Nouvelle Vague.
Bom… para quem não conhece, a coisa passa, mais ou menos, por aí. Há a imensa criatividade dos Nouvelle Vague, moderada por uma toada mais rock, menos chic, a fazer lembrar a rebeldia de Polly Jean. Ah, a rebeldia, é verdade… Phoebe Killdeer gosta de dizer que foi expulsa da banda francesa por mau comportamento. O que, não sendo verdade, até está bem visto.
O primeiro disco a solo, Weather’s Coming…, revela não apenas uma intérprete ainda mais exuberante e mais segura do aquela que conhecíamos, mas ainda uma compositora mais que razoável. É ela que assina os 12 temas, entre uma certa amargura típica dos nossos tempos e o sentido de humor exigível à sobrevivência (“Paranoia” ou “Looking For a Man” são disso excelentes exemplos).
Phoebe faz-se acompanhar pelo trio The Short Straws, que com ela fez esta primeira gravação, o que deixa antever um bom espectáculo, eventualmente de sonoridades mais agrestes, menos expansivas, do que aquelas que encontramos no disco, tendo em conta o tom meticuloso da produção que alguns temas.
Não será por acaso que a imprensa britânica classifica os seus primeiros espectáculos como “viscerais” e chega a dizer que até Siouxsie ficaria impressionada com a sua presença em palco. Vamos ver se os lisboetas também se deixam impressionar.

Hucknall - Tribute to Bobby *****

Já repararam naquelas bolachas e outros produtos alimentares americanos que trazem em letras pequenas: “Pode conter traços de frutos secos”. Os cuidados que eles têm com a nossa saúde… Com os Simply Red passava-se o mesmo. Por entre toda aquela música adocicada e bonitinha, pressentia-se o aviso: “Cuidado, pode conter traços de rhythm and blues, soul e outras canções rudes”.
Mick Hucknall, o vocalista cabelo de cenoura, rapaz nascido em Manchester há 47 anos, após um razoável sucesso com Stay (2007), decide mudar de vida, voar para Memphis e fazer algo que lhe apetecia desde os tempos de juventude – homenagear um dos seus ídolos. E, para que não restassem dúvidas sobre o alcance da obra, decidiu chamar-lhe Tribute to Bobby.
Bobby “Blue” Bland é um daqueles nomes do rhythm and blues de que nunca ouvimos falar, sendo que já todos ouvimos a canção que abre este disco, “Farther Up The Road”.
Num curto DVD que integra esta edição, percebemos a importância de Bobby, através de depoimentos de B.B.King ou de Van Morrison.
O que Hucknall faz, na companhia do produtor Andy Wright, é um fabuloso trabalho de actualização desta música, sem lhe retirar a autenticidade e a enorme força original.
Dos temas mais electrizantes (genial, o arranjo de “Stormy Monday Blues”, com um riff permanente a marcar o apelo à dança) às mais lentas e doridas baladas (em “I’m Too Far Gone”, por exemplo, é a bateria a dar a toada dramática), todas as canções são vestidas com uma criatividade e bom gosto que já não se usa. Tudo servido pela voz de Hucknall, mais madura, pelo menos uma oitava abaixo da que conhecíamos dos Simply Red. Tudo somado, estamos perante uma das melhores surpresas de 2008.

Amy Winehouse - Frank (Deluxe Edition) *****

Para o ouvinte médio, este é o segundo disco de Amy Winehouse. Sendo que, na verdade, se trata do primeiro. E, para esses ouvintes, há uma probabilidade razoável de este disco ser uma desilusão. Sendo que, sob vários pontos de vista, este é bem mais interessante que o outro.
Baralhado? Não tem de quê.
O mega sucesso de Back To Black, editado nos finais de 2006, mas cujos ecos ainda hoje perduram, com quase todas as canções tranformadas em sucessos, chamou a atenção global para uma artista, cujo primeiro disco, Frank, tinha sido editado três anos antes e tinha tido um já razoável sucesso, embora restrito a alguns sectores do mercado. O sucesso de Back… fez com que muitas pessoas tenham procurado Frank. E porque ficaram desiludidos? Porque Frank é um disco a que falta a produção claramente virada para explorar o filão revivalista do rythm & blues, ou seja, para atirar os ouvintes para o melhor do que se fez nos anos 50 a 70, não menosprezando, claro, os requintes de modernidade que exala.
Mas Frank, sendo menos trabalhado nessa vertente, é um disco altamente revelador da força artística de Amy Winehouse, quer na composição, quer na interpretação. Aos 19 anos, Amy mostra uma maturidade extraordinária e Frank é quase um disco conceptual sobre a decepção e a rejeição a amorosa, tratadas de uma forma simultaneamente poética e crua, que será, de resto a sua marca de água (I’ll take the wrong man as naturally as I sing).
Musicalmente, andamos em águas mais próximas do jazz, com algum soul, embora a abordagem tradicional seja por vezes surpreendida com toques de hip-hop e outras sonoridades contomporâneas.
A edição Deluxe que agora está à venda acrescenta um segundo disco (demos, remixes, gravações ao vivo), de grande valia, porque, em alguns casos, são ainda mais reveladores da enorme criatividade de Amy.

Bebel Gilberto

O jornal Los Angeles Times classifica as suas actuações ao vivo como “extraordinárias, mesmo libertadoras”. A revista Billboard considera o seu último disco (Momento, 2007) de “postal ilustrado e banda sonora perfeita” para o Verão.
Bebel Gilberto é, desde o início da sua carreira, mais universal que brasileira, sendo que é no Brasil que tem as suas raízes bem assentes, ou não fosse ela filha do enorme João Gilberto e de Miúcha. Adivinha-se uma infância e juventude entre músicos, no Brasil e nos Estados Unidos, onde fixou residência, entre as sonoridades calmas e acústicas da bossa novas, a exuberância do samba, mas também a sofisticação das grandes orquestras, mas igualmente de todos os experimentalismos electrónicos de que a Grande Maçã gosta de ser berço.
Por isso, desde o primeiro disco (Tanto Tempo, 2000) que Bebel tem grande aceitação a nível internacional, sendo que, por exemplo, a digressão que a traz a Lisboa já a fez passar pela Califórnia e pos várias cidades do Japão, por exemplo.
O disco base dos espectáculos do Porto e de Lisboa é Momento, onde se cruzam de forma perfeita as sonoridades mais electrónicas de Tanto Tempo com a acústica dominante de Bebel Gilberto (2004).
O concerto não deverá fugir ao registo calmo a que nos habituou, por mais intensa que seja a abordagem. Além dos temas assinados pela sua mão de Momento, assim, como alguns dos mais conhecidos dos dois registos anteriores, é natural que passe também pelas versões de Night and Day (Cole Porter) ou Caçada (do seu tio Chico Buarque).