Carla Bruni - Little French Songs ***

A língua francesa está a morrer e só os franceses ainda não o perceberam. Por isso, deveriam estar agradecidos a Carla, uma italiana no BI, pelo meritório trabalho que tem feito, não apenas de divulgação da língua, nas especialmente pela recuperação e reformulação de uma das marcas gaulesas por excelência – a chanson. Esse exercício tem neste disco o seu zénite provisório. É de longe aquele em que a reconstrução da chanson vai mais longe, com o aproveitamento de estruturas e referências históricas desse estilo musical e a sua projecção numa elegante modernidade, que obviamente desemboca no... inglês. ‘Darling’ é disso mesmo um excelente exemplo, mas a canção que dá o título ao disco explicita-o de uma forma muito evidente. A ironia – humor, mesmo – que imprime a quase todos os temas é outros dos avanços deste quarto disco. A voz, essa continua sensualmente imperfeita, para irritação dos puristas.

JP Simoes - Roma ****

Valter Hugo Mãe escreveu um texto para este disco em que trata JP Simões por “Eduardo Lourenço da música popular portuguesa”. Faz sentido. Como sentido faria que Alexandre O’Neill fosse o autor de “Gosto De Me Drogar”, um retrato auto-irónico, vagabundo e terno do português comum, o portuguesinho, como diria o poeta, confrontado e confortado com o seu fado, num fado a descambar para o vaudeville, coro de revista de outros tempos. A graça, ponhamos as coisas assim até porque elas bastas vezes têm mesmo graça, das canções de JP Simões reside precisamente naquele jeito de agarrar a alma lusitana, na circunstância do seu tempo, como agora, perseguidos que somos por esses “talibãs da Goldman Sachs”, no retrato gaspariano (de Vítor) de “Rio-me de Janeiro”. Por falar nisso... o que este disco é mesmo é um antídoto para estes tempos deprimentes que vivemos. Som claramente solar, com apelos à dança (“O Fardo do Amor”) e até mesmo coisas a arranhar o pop ligeirito (“A Million Songs of Yesterday”). Um disco ecléctico – talvez o mais ecléctico de JP nas suas várias configurações –, uma autêntica vitrine de estilos e línguas, com o samba e o fraseado brasileiro a saírem claramente por cima, conhecida que é a queda e o jeito do cantor. É assim em “Valsa Rancho”, de Chico e Hime, mas também em “Samba Radioactivo”, novamente entre a ternura e a ironia e que transpira Vinícius por uns poros e Chico da fase teatral por outros. Do catálogo fazem ainda parte o italiano e o francês, no caso a interpretação de um poema de Boris Vian. Roma acaba por evocar a grandeza do império, mas também a sua decadência real e moral, nada que não estejamos a viver. Chateados, mas de sorriso na voz. “Vai para a tumba que te pariu”!

Devendra Banhart - Mala ****

O Devendra andou desaparecido quatro anos, mas, descansem os fãs, não se curou. Está o mesmo maluco de sempre. Aliás, poucos malucos haverá na música actual com tal consistência, mas também com tal liberdade, provavelmente porque não a souberam conquistar. Este disco tem tudo o que já lhe conhecíamos – psicadelismo folk, digamos –, mas acrescenta movimentações no campo da electrónica, que só não desconcertam porque acertam, encaixam no espírito de vale tudo que é a marca de água de Devendra. ‘Your Fine Petting Duck’, um dueto em inglês e alemão com a namorada/designer sérvia Ana Kras, é a prova acabada disso mesmo, uma canção, afinal duas, dual também na ironia com que trabalha o tema do amor (I’ll take you back/cause I don’t really love him), que, de resto, está presente ao longo de todo o disco. Só isso, a ironia, o humor, torna a audição deste disco num exercício que faz bem à saúde. Mental.

Márcia - Casulo ***

Pode uma canção crescer, crescer e... entrar num beco sem saída e nunca ser verdadeiramente canção? Pode, claro. Este disco abre com uma dessas, e tem outras. Há por aqui um assumido desejo de contenção, que acaba por se transformar na armadilha que corta as asas à segunda aventura de Márcia em disco grande. É pena, porque, pelo que já fez, podia, devia e merecia fazer melhor. Sintomática é a escolha de “Deixa-me Ir” para primeiro single, canção mortiça, que só ganha força no clip de Miguel Gonçalves Mendes (José e Pilar), melancólica panorâmica sobre um “país que definha” às mãos da troika. Márcia, convém lembrar, chega a este disco com dois trunfos de peso: o êxito de “A Pele Que Há em Mim”, com JP Simões, e a autoria de “Até ao Verão”, o single de promoção do mais recente Ana Moura. Daí a expectativa, depois de uma estreia muito promissora (Dá, 2010). Deste novo capítulo esperar-se-ia mais que canções bonitas, ambientes de grande beleza e sofisticação (“Desmazelo”), poemas consistentes. Tudo competente, muito certinho, sim, mas mediano, sem a vontade de voar mais alto, sem que isso significasse sair do registo. “Delicado”, na mesma linha de “Até ao Verão”, vai por aí, mas pouco acompanhado.

Luísa Sobral - There's a Flower in My Bedroom ****


E no fim foram tristes para sempre. Tristes mas felizes. É assim este disco: histórias de amor que acabam sempre mal, mas que nos são contadas com alegria. Por exemplo, ‘As The Night Comes Alone’ fala-nos de uma rapariga que imagina coisas, namorados mais precisamente, mas que na realidade vive na mais absoluta solidão. Acham que isto nos é contado com choraminguices? Qual quê!? Swing e mais swing e um tralala final que até abana. E (quase) todo o disco é assim. Triste por dentro, alegre por fora. Porque – nota-se – estas 17 (!) canções devem ter dado um gozo do caraças a compor e a gravar. E só isso bastaria para ganhar o desafio do segundo disco. Depois do sucesso (mesmo internacional, helas) da estreia com There’s a Cherry On My Cake (2011), Luísa Sobral resolveu dar um passo atrás e as canções estão agora mais expostas na sua estrutura: há jazz mais jazz (‘The Letter I Won’t Send’) e pop só pop (‘Mom Says’). E mesmo coisas que parecem saídas de um Brasil pré-bossa (‘Inês’, com António Zambujo, ou “Quando Te Vi”). Há convidados estratégicos (Jamie Cullum) e outros que alargam horizontes (Mário Laginha) e a estranha pronúncia de Luísa, seja em português ou inglês. Ligeirinho? Sim, e qual é o problema?