Diana Krall - Quiet Nights ***

O jazz ligeirinho de Diana Krall nunca andou muito longe da bossa nova. Insinuante, sussurrante, com respiração. Mas este Quiet Nights é mesmo, só e apenas, um disco de bossa nova. Perfeito, como tudo o que Diana faz, mas sem entusiasmos por aí além, como Diana já nos habituou. É claro que todos os cuidados foram tomados – chamou-se o director de orquestra Claus Ogerman, antigo colaborador de Tom Jobim, e seleccionou-se um naipe de canções que inclui clássicos da bossa nova (Girl From Ipanema, Corcovado) e standards da canção norte-americana devidamente adaptados ao ritmo lento e às cordas envolventes. Nesta última vertente, merece destaque “Walk on By” (Bacharach). E, é claro, Diana não resiste, como tantos no passado, a cantar em “brasileiro” (“Este Seu Olhar”), não se saindo nada mal. Novidade neste disco só mesmo a capa: pela primeira vez, Diana está francamente…

James Taylor - Covers ***

James Taylor é uma daquelas pessoas a quem não se deve pedir que faça aquilo que não sabe. E o que James Taylor sempre fez bem foi cantar canções de outros, num registo entre o intimista e o “meia bola e força”. É disso que se trata neste disco – 15 canções de autorias diversas, quase todas dos tempos em que JT era uma estrela internacional.
Agora, aos 60 (feitos este mês), JT talvez a pouco mais possa aspirar a ser ouvido pelos da sua idade, ou pouco menos. Estes discos preenchem, de resto, essa função de reatar, reavivar, se quiserem, velhas cumplicidades geracionais.
Nem a presença, aliás mal explorada, de Yo-Yo Ma em “Suzanne” (Cohen) consegue retirar esta versão da mediania geral. “Summertime Blues” é, digamos, engraçadota… Mas, insiste-se, não era certamente do contrário que estavam à espera os fãs de JT.

Manuela Gonzaga - Doida Não e Não! ***

Sabem o que apetecia fazer com este livro? Um romance. A autora optou, ajuizadamente, por uma exposição histórica, ou, se quisermos, uma mega-reportagem biográfica. Até porque o romance já existe – Doidos e Amantes, de Agustina. E até, imagine-se, um filme – Solo de Violino, de Monique Rutler. Ambos, obviamente, com algumas liberdades face à verdade dos factos que se pretende fixar nesta obra.
A história que aqui se conta é a de Maria Adelaide Coelho da Cunha, filha do fundador do Diário de Notícias e casada com um dos seus primeiros directores, Alfredo da Cunha, que se apaixona pelo motorista, com quem foge de casa, trocando os luxos de um palácio de Lisboa pelo desconforto de uma modesta casa na província. Com a colaboração dos maiores alienistas (psiquiatras) da época, marido e filho conseguem interná-la num manicómio, com o diagnóstico de “loucura lúcida”.
Ironicamente, a “libertação” acaba por passar pela publicação de cartas num jornal concorrente, A Capital, e pelo lançamento de um livro, o qual origina, por sua vez, um livro-resposta de Alfredo da Cunha.
Estávamos na segunda década do século passado e ingredientes não faltavam para apaixonar um país mergulhado, também ele, em grandes convulsões, mas de ordem política.
O livro de Manuela Gonzaga é o relato mais completo publicado até hoje dessa fabulosa história, até porque beneficia, não apenas da documentação já conhecida, mas principalmente de um espólio descoberto, em 2003, pelos proprietários do palácio que o casal habitou em Lisboa.
Além de contar a história propriamente dita, o livro é o retrato de uma sociedade dominada pelos poderosos e também dos enormes erros que se cometeram à sombra da nova ciência que era a psiquiatria.
Lê-se como um romance, embora algumas opções da autora sejam discutíveis. Por exemplo, o profuso recurso a citações dá resultados que brigam com a boa utilização da língua (“Por isso, pedia-lhe que não julgasse que a ‘falta de resposta às tuas cartas’…”) e a repetição de episódios, alguns de forma insistente, em capítulos diferentes, quase desmotiva a leitura de uma história a que não faltam os episódios e reviravoltas.

Seasick Steve - I Started Out With Nothing And Still Got Most Of It Left ****

Vale a pena procurar Seasick Steve no Youtube. Porque nem imaginamos como alguns dos sons que ouvimos neste disco são obtidos… O homem usa guitarras normais, acústicas e eléctricas, mas às vezes tira-lhe três cordas e obtém uma sonoridade bastante peculiar. Depois, há a bateria – uma lata velha, onde ele vai batendo com o pé.
Trata-se de um regresso radical aos blues originais. Rudes, directos. Uma história, uma guitarra e uma voz cheia de fumo, álcool ou simplesmente idade.
Seasick Steve anda na casa dos 60 e vai agora no terceiro disco. Antes, vadiou. Pela América, pela Europa, pela Noruega…
Canta histórias e, mesmo tratando-se de um disco de estúdio, muitas das canções começam com uma pequena introdução, já que estamos perante um contador de histórias.
E depois há uma alegria simples que exala desta música. Seja o sentido de humor, sejam as histórias de amor.

Ray LaMontagne - Gossip In The Grain *****

Eis um caso sério – por onde começar os elogios? Pela beleza estrutural das canções? Pelo modo como Ray LaMontagne tem vindo a moldar a voz, aprofundando a sua aparente debilidade? Pela atmosfera intensa e intimista criada pelo músico e produtor Ethan Johns?
O caso é, de facto, sério. Gossip In The Grain é um dos mais belos discos dos últimos tempos e revela um artista em tal progressão criativa que atira a fasquia das expectativas para bem alto. Estamos a milhas da simplicidade de Trouble (2004) e até das texturas já mais complexas de Till The Sun Turns Black (2006).
O tema de abertura, por exemplo, é uma verdadeira explosão de criatividade, a fazer lembrar os melhores momentos da Motown… ou, melhor, da Stax. Os metais, as cordas, os coros femininos, tudo se conjuga numa canção de um rigor clássico irrepreensível.
A abertura é, porém, enganadora. O melhor deste disco não é a alegria contagiante de “You Are The Best Thing”, mas antes os ambientes intimistas e dolorosos, a que a voz de LaMontagne confere dramaticidade e veracidade. “Sarah”, por exemplo, é uma pequena jóia, uma belíssima evocação da perda da inocência. “Let It Be Me”, um hino à amizade nos mesmos termos da histórica “You’ve Got a Friend”, de Carole King. Por vezes, a atmosfera entra por terrenos a fazer lembrar o psicadelismo (“I Still Care For You”) e até, de forma quase explícita, os Pink Floyd primitivos com uma pitada de Morricone (“Meg White”, uma canção sobre a baterista dos White Stripes).
Cada canção ouve-se como se víssemos um filme. Vale a pena ouvir cada uma atentamente, repetidamente. Para melhor absorver a delicadeza dos pormenores com que foram construídas e ornamentadas. Não há discos destes todos os dias.