David Byrne - American Utopia ****

Impossível ouvir “Dog’s Mind”, aquela micropeça de teatro inicial, um Presidente e os jornalistas sobre fundo de marcha lenta (fúnebre?), e não nos lembrarmos do actual inquilino da Casa Branca. Mas não, o disco terá sido concebido ainda na era pré-Trump e o desconcerto desencantado que o atravessa não é mais que o fio condutor de toda a obra de David Byrne, Talking Heads incluídos. Já agora, os mais nostálgicos podem começar por aí, com “Everybody’s Coming to My House”. O resto, diga-se, é muito consistente, puro Byrne, como se não tivessem 14 anos sem um Byrne a solo. As linhas melódicas do costume (“I Dance Like This”), a loucura surreal das letras (“Everyday Is a Miracle”), as camadas de ritmos e sonoridades cruzados à escala planetária. Até mesmo a companhia de Brian Eno em oito das dez canções. Apesar dessa constância, mérito dele ou saudade nossa, a sensação de que se reinventa a cada canção.

Monday - One ****

Catarina Falcão, aliás Cat, aliás Monday, é metade das Golden Slumbers, banda em que, com a irmã Margarida, se estreou em grande formato vai para dois anos (“The New Messiah”). Este “One” nasce de um curso de composição em Londres, das canções que aí se acumularam, e da óbvia vontade de mostrar voz própria. Cat é, verdade, uma das melhores vozes desta novíssima geração, seja pela capacidade vocal propriamente dita, seja pelo modo desenvolto como trata a língua inglesa, sem aqueles falsos jazzismos/hesitações/gaguejos com que por aí se disfarça a lusa naturalidade. Se a voz e a composição estão dentro do bom e expectável, agradável mesmo, neste “One”, é a descomplexada aproximação à pop e ao rock, evidente em “Changes”, “Learn” ou “Dark Night for Suki”, embora a folk domine a paisagem (“Pink Moon”, “One”), uma opção concordante com o tom melancólico de grande parte das canções.

Melody Gardot - Live in Europe ****

Só aparentemente é fácil este caminho que Melody Gardot percorre há uma década, do qual já resultaram quatro discos de estúdio e agora este duplo ao vivo, em várias cidades europeias, revisitação de uma carreira, em concertos realizados entre 2012 e 2016. Porque o jazz ligeiro - é disso que se trata - constitui um território pouco afirmativo, muitas vezes confundido com música de elevador ou de piano bar, fronteiras difusas com a folk ou a pop, um gato malhado que nunca de deixa apanhar. Gardot tem a virtualidade de quase nunca se deixar (a)trair pela facilidade. Infelizmente, para nós, “Lisboa”, do seu disco mais folk, é um desses casos, como aqui se prova numa gravação de 2015, em... Oeiras. No polo oposto, escute-se, por exemplo, o classicismo de “Deep Within The Corners of my Mind”, ou os improvisos vocais e instrumentais de “March for Mingus”. Ou a sensibilíssima versão de “Baby I’m a Fool”, em Londres.

Aldina Duarte - CCB, 6 de abril


O concerto do final do verão passado, no Largo de São Carlos, perdurará certamente na memória, pela comunhão da cidade com a sua canção, pela festa de verão que o fado também sabe ser. Mas é no CCB que o fado se dá especialmente bem, porque, apesar da desproporção espacial face às tradicionais casas e tascas, consegue um equilíbrio justo entre a intimidade e a ambição dos grandes palcos. Faz jus ao fado, no som e no recolhimento. Aldina Duarte regressa, pois, a essa outra casa de fado e novamente com histórias de amor, depois de ali ter apresentado, em espectáculo único, o ambicioso “Romance(s)”, com poemas de Maria do Rosário Pedreira. O regresso é com outra história de amor, agora em nome próprio e final trágico. E com uma outra escritora como musa inspiradora, Maria Gabriela Llansol, autora do primeiro livro que lhe ofereceu um amor que acabou sem aviso. O luto desse amor foi feito com os livros de Llansol, junto a uma árvore do Jardim da Estrela, dele tendo nascido dez poemas que, bordados com outros tantos fados tradicionais, deram origem a um dos discos mais aplaudidos de 2017. São fados que, ao invés de lamuriarem o brutal acidente da despedida, eternizam os momentos felizes, a que se juntam outro com letra de Maria do Rosário Pedreira e ainda um fado-canção de Manel Cruz (Ornatos Violeta). No CCB, a fadista faz-se acompanhar de Paulo Parreira (guitarra) e Rogério Ferreira (viola), com quem canta há 12 anos no Senhor Vinho e que com ela gravaram, em três sessões, o disco “Quando Se Ama Loucamente”. Pedro Gonçalves (Dead Combo), que produziu o CD, será outro dos convidados.