Bonnie “Prince” Billy & The Cairo Gang - The Wonder Show Of The World ****


Tente fazer isto em casa. Está a ver aqueles mágicos ou anúncios que arriscam e depois o diminuem – “não tente fazer isto em casa”? Os discos de Bonnie “Prince” Billy, especialmente este, no seu aparente amadorismo, convidam a um traiçoeiro: “então, agora experimente lá você”.
Traiçoeiro porque nem todos escreveríamos versos de abertura como “I once loved a girl, buy she couldn’t take that I visited troublesome houses”, ou, mais à frente, falando de uma noite com uma mulher, poucos se lembrariam, ou arriscariam, proclamar que “the smell of your box is still on my mustache”.
A forma como Bonnie se atira a histórias, de amor, do seu inverso, ou de simples companheirismo é um dos seus segredos. Histórias bem esgalhadas, que prendem a atenção, seja pelo afecto à flor da pele, pelo humor desconcertante, pela história ela própria.
O outro segredo, e fiquemos pelos óbvios, passa obviamente pela forma peculiar como Bonnie entoa as canções, numa aparente, insiste-se, numa aparente fragilidade, nunca sendo evidente a forma como cada passo se vai seguir ao que o precedeu.
Nesta gravação, pela primeira vez, é assumida na capa uma velha colaboração com os Cairo Gang, que emprestam a cada canção sonoridades sempre inesperadas, seja pelos coros, ora alinhados (enfim…), ora em contraciclo, seja pela diversidade instrumental, especialmente da guitarra, que vai de um simples e quase inaudível dedilhar a breves solos Claptonmaníacos.
As canções, também elas, vão de registos intimistas, quase comoventes (“That’ What Our Love Is”), a coisas que se aproximam de country-pop (“The Sounds Are Allways Begging”). E, claro, os mais velhos podem sempre entreter-se a encontrar Crosby Stills and Nash debaixo de cada pedra da calçada.
Muito à custa de uma produtividade acima da média, Bonnie “Prince” há muito que deixou de ser um dos segredos mais bem guardados da cena contemporânea. Que o povo o consuma. E, a sério, que tente fazer isto em casa.

The Divine Comedy - Bang Goes The Knighthood ****


Ah, a felicidade… Neil Hannon está feliz, muito – não sejam tablóides e não queiram saber os porquês – e fez um disco todo ele Primavera a pender para o Verão. Imaginem que o primeiro single chama-se “At The Indie Disco”, é, obviamente, um divertimento e até se me mete com meio mundo da coisa musical.
É claro que a alma mais melancólica dos Divine Comedy ainda por aqui anda – a faixa de abertura, ou “When A Man Cries”, por exemplo – e que o humor sarcástico de Hannon ainda faz das suas – “The Lost Art Of Conversation”, uma canção reveladora. Para quem gosta de canções que comentem a actualidade, há o evidente “The Complete Banker”.
Mas o resto desta décima gravação dos Divine Comedy (a última tinha sido há quatro anos) é mesmo a boa disposição, servida por orquestrações luminosas e pela voz tão característica de Hannon.
Para aqueles que queiram prolongar a festa, há ainda uma edição deluxe, que inclui as canções francesas (!) de Neil cantadas ao vivo.

Villagers - Becoming a Jackal *****


“Se não me surpreendo a mim mesmo, será um esforço em vão.” É assim que o irlandês Conor J. O’Brien descreve as suas canções. E que surpresas! Uma das maiores de um ano que ainda nem a meio vai.
A inspiração primeira, e isso só lhe fica bem, são os quatro de Liverpool (“That Day”), mesmo que frequentemente sejamos remetidos para a reinterpretação que os escandinavos (vide Kings Of Convenience) têm feito da pop (“The Pact” ou “Set The Tigers Free”) ou para a corrente de novos compositores da constelação Rufus (“Ship Of Promisses”).
Mas é injusto restringir os Villagers (é assim que se apresenta o grupo ocasional de músicos reunidos por O’Brien) às suas influências. Até porque esta estreia apresenta 11 canções de rara beleza, seja na composição seja na interpretação, incluindo a claríssima voz do autor. Experimentem ouvir “Home” e digam lá se conseguem ouvir apenas uma vez…
Eis, pois, e não será demais insistir, um dos discos do ano.

John Grant - Queen of Denmark ***


José Cid. Ouçam “Silver Platter Club” e digam lá se não parece José Cid da fase Green Windows. Uma das graças deste disco é precisamente a camada de kitsch que o envolve – a cada momento, ouvimos pequenos trechos e melodias inteiras que nos atiram lá para os anos 70 ou 80. Coisas meio psicadélicas, Beach Boys sem Brian Wilson, baladas a atirar para o sinfonismo, alguma electrónica exuberante. Chega a ser engraçado.
Outra das graças é a voz de John Grant, rapaz que já por aí anda há uma década, mas que, realmente, nunca deu nas vistas. Teve um grupo que se chamou The Czars (três discos, entre 2000 e 2004) e, nos últimos tempos, fez de músico de apoio dos Flaming Lips e dos Midlake, grupo este o acompanha nesta primeira aventura a solo. A voz, portanto, de John Grant é muito interessante, barítono, uns furos acima do banal e também uns furos acima da sua originalidade como compositor. Fica a sensação de que, em vez de canções, faz colagens.
Um disco que é quase uma curiosidade.

Rufus Wainwright - All Days Are Nights: Songs For Lulu ****


Não entres tão ligeiro neste disco escuro. Olha que é a sério, todos os dias são noites. Este é um disco de sofrimento, composto à medida que a mãe (Kate McGarrigle, Janeiro 2010) se despedia dolorosamente da vida. Cantado em diálogo com a irmã (“Martha”) – “agora já nenhum de nós é realmente mais velho que o outro”, muito distante do pai (Loudon) – “já nos resta muito pouco tempo para estarmos zangados uns com os outros”.
A acentuar o tom melancólico, Rufus deixou de parte as orquestrações quase barrocas de gravações anteriores e faz-se acompanhar exclusivamente ao piano.
O piano e a melancolia são, de resto, o cimento que une as várias peças desta obra. Avultam os três sonetos de Shakespeare musicados para um espectáculo de Robert Wilson com o Berliner Ensemble, uma área da primeira ópera de Rufus, Prima Donna, e ainda uma série de originais dominados por uma tónica acentuadamente intimista. Mas isso é o Rufus de sempre. Como a abertura, “Where Are You New York?”