Josh Rouse - El Turista ***

Canções como “I Will Live On Islands” podem levantar problemas morais – isto é uma cópia descarada de Paul Simon, ou o rapaz não tem culpa alguma de os seus gostos musicais, os tiques de composição, ou mesmo o timbre da voz, se assemelharem em demasia à fase “graceland” do velho cantautor?
A resposta, como calculam, é irrelevante, instalada que está a dúvida. Até porque Rouse tem uma carreira que fala por si – oito discos numa década – e neste CD volta a revelar-se um compositor inspirado e um intérprete versátil.
Estamos perante música claramente norte-americana (indie folk não será classificação que lhe assente mal), mas embebida de fortes influências latinas (Rouse vive há meia dúzia de anos em Espanha) e afro-brasileiras. “Lemon Tree”, por exemplo, é uma bela balada em registo bossa jazz e “Valência” um bolero digno de Bola de Nieve, o enorme vulto da canção cubana, aqui revisitado em dois temas.

Laura Veirs - July Flame ***

Ouvindo “Sun King”, a terceira canção deste disco, poderíamos julgar estar na presença de uma cantora country notoriamente apaixonada. Ora, isso não é bem assim, embora não seja totalmente mentira.
Com este sétimo disco, Laura Veirs regressa parcialmente à simplicidade dos primeiros discos, sendo disso exemplo o destaque dado à guitarra acústica e a pouca roupagem que a maioria da canções ostenta. E é, sim, um disco feliz, reflectindo a harmonia da vida no campo e uma relação amorosa aparentemente também ela feliz. A sério… (Ouçam a bela “When You Give Your Heart”).
Laura Veirs continua a ser um personagem peculiar. A voz que sobe e desce e se fixa insistentemente num registo quase desafinado. As composições a fugirem quase sempre ao óbvio. Mas a aposta numa sonoridade acústica e de orquestrações subtis limam algumas, apenas algumas, das arestas do passado. Mais comercial, então? Sim, mas só um pouco.

Clare and The Reasons - Arrow ****

A voz de Clare Muldaur remete-nos para um universo algo infantil. E por isso imaginamos uma menina loira a brincar com melodias, deliciada com a repetição das mais belas, fascinada com o modo como o amigo de brincadeira (no caso, o marido, Olivier Manchon, autor, músico, produtor…) arruma e desarruma as peças do lego.
São 13 canções impecavelmente escritas, orquestradas e interpretadas, que bebem amiúde na tradição francesa e nas raízes do jazz, mas que escapam a qualquer classificação. O que mais sobressai, insiste-se, é o lado lúdico, seja no modo como as canções são construídas, os tais pedaços de melodia repetidos (quase) até exaustão, seja nas roupagens extraordinariamente inventivas e diversificadas com que são servidas. As cordas, com destaque para o violoncelo, e os sopros estão quase sempre presentes (um espanto, a versão de “That’s All”, dos Genesis), mas há também electrónica usada com toda a elegância (“You Got Time”).

The Magnetic Fields - Realism ****

Na ficha técnica, a seguir à lista de músicos, lê-se: “no synths” (sem sintetizadores). Ficam, pois, avisados os seguidores de Stephin Merritt que aquela onda sónica que afogava as canções, tipo Jesus and Mary Chain, foi (felizmente) sol de pouca dura (Distortion, 2008) e que, apesar das semelhanças das capas de um peculiar mau gosto, este Realism é algo completamente diferente.
Por “diferente” entenda-se o regresso de Merritt às sonoridades de raiz folk, com muitas harpas, banjos, pandeiretas e ferrinhos. Sim, é de novo o fantasma de 69 Love Songs, essa esmagadora obra-prima, que por aqui se passeia.
Nem todas as canções deste CD chegam aos calcanhares das Love Songs, mas algumas andam lá perto (“Seduced and Abandoned”, “You Must Be Out of Your Mind”). E poucos músicos conseguem compor canções tão bonitas com poemas tão tristes, de desamores, desalentos, desatenções. Especialmente recomendado a quem goste de sofrer com estilo.

Charlotte Gainsbourg - IRM ****

Se Serge Gainsbourg fosse vivo, não faria um disco destes. É próprio dos génios, escaparem à previsibilidade. Mas este é o melhor disco de originais de Gainsbourg desde a sua morte. A cumplicidade de Charlotte, filha de Serge, confere a Beck, o americano Beck, a legitimidade para se apoderar do universo do francês mais amado pelos músicos anglo-saxónicos. Como bónus, Charlotte reincarna na perfeição, não apenas o look, mas também a pose musical da mãe Birkin.
O disco nasce de um acontecimento traumático, a hemorragia cerebral sofrida por Charlotte há três anos, e isso justifica a tensão que o atravessa. A electrónica, metáfora hospitalar, da faixa que dá título ao disco, ou as guitarras e percussões de “Trick Pony”. Quase alucinações compensadas por momentos de grande beleza melódica, como “In The End”, ou “Time of the Assassins”. Ou coisas tão pop como “Heaven Can Wait”. Gainsbourg, o pai, haveria de gostar.