Mafalda Veiga - Praia ***

Há vários movimentos que se vêm desenhando na carreira de Mafalda Veiga – que, a propósito, entra em 2017 na quarta década... – e que confluem harmoniosamente neste nono disco. Desde logo, a perda progressiva dos maneirismos dos primeiros anos, especialmente os que tinham a ver com a interpretação. A voz está hoje como que normalizada, e isso é muito bom. Depois, o adeus a um certo bucolismo deslocado no tempo e no espaço. Este é um disco de hoje, da nossa vida urbana (“Domingo” é, talvez, disso o melhor exemplo). Por último, a constatação que a vida é bem mais simples do que por vezes a fazemos (“Olha Como a Vida É Boa”). Mesmo as coisas mais complicadas (“O Mesmo Deus”) podem ser reduzidas a uma quase caixinha de música. Pena que outros temas, como “Todas as Coisas” ou mesmo “Praia”, não façam grande coisa para nos surpreender. Na edição especial, há três versões de ensaio, só com guitarra e voz.

Billy Bragg & Joe Henry - Shine a Light ***

Se Billy Bragg e Joe Henry tivessem optado por gravar aquelas que consideram as melhores canções de viagem (Tom Robinson, Sinatra, Jonathan Richman...), cuja lista disponibilizaram no Spotify, este seria, certamente um disco excepcional. Assim mesmo, neste registo vadio, guitarra, voz e uma escassa harmónica. A opção foi, porém, outra: gravar, nesse mesmo estilo, as canções que já nasceram nesses territórios do blues, country e folk, os standards. O resultado, sendo interessante, nunca é surpreendente. As vozes afinam de forma competente, mas rotineira. Os arranjos nunca saem dos carris da tradição. E nem o facto de as canções terem sido gravadas em estações de comboio entre Chicago e LA muda o que quer que seja. Nesta época de grande turbulência na América, um disco cheio de canções de liberdade, seja dos grandes espaços seja da luta contra a tirania, poderia fazer a diferença. Não faz.

The Rolling Stones - Havana Moon ****

O DVD começa com um plano de breves segundos de Havana. Para que não restem dúvidas, o segundo plano é uma nova e breve imagem da cidade velha, praticamente em ruínas, mais parecida com as urbes mártires do Iraque ou da Síria do que com qualquer capital de um país em paz. Se alguma mensagem política há por aqui, ela resume-se a esses quatro segundos, à exposição de uma ilha exausta. E talvez seja melhor ficar por aqui. Caso contrário, ainda nos arriscamos a perceber que Mick Jagger se “esquece” de cantar os versos de “who killed the Kennedys” em “Sympathy For The Devil”... e aí são os Stones que ficam mal na fotografia, apanhados a autocensurar-se num momento de suposta libertação. Talvez, afinal, não seja assim tão certo que “finalmente los tiempos estan cambiando”, como o mesmo Jagger proclama a uma certa altura num castelhano engraçado. Porque, usando do cinismo tão em voga nos tempos que correm, se é certo que os Stones lucraram com esta lança na pátria de Fidel, já o mesmo não se pode dizer de Havana ou dos cubanos – aquelas duas horas de concerto não mudaram nada das suas vidas. Como não têm ponto de comparação, nem deverão ter percebido que, apesar da muito visível idade, os Stones estão aí para as curvas. Com energia q.b. para interpretar com toda a garra os maiores sucessos e ainda com imaginação suficiente para reinventar muitos deles. Desse ponto de vista, estritamente musical, estamos perante um poderoso documento. DVD hiper-profissional de duas horas, mais meia de extras, e CD duplo com os mesmos temas, mas alinhamento diferente.

Rita Redshoes - Her *****

Se a arte é a busca de uma qualquer perfeição, estamos perante um objeto artístico que atinge o seu objetivo. A composição, com as linhas melódicas que já conhecemos, mas agora ainda mais depuradas, a voz que sabe conter-se mesmo quando voa (“Life Is Huge”), ou que se revela dura e angulosa quando o assunto o pede (“Vestido”). Depois, o trabalho instrumental. E é aqui que o círculo da perfeição se fecha. Valeu a pena apostar num leque de músicos de referência e num produtor experimentado. Ouça-se, por exemplo em “Bag of Love”, o casamento da base piano/baixo/bateria com as cordas e os metais... Texturas densas, complexas, mas extremamente agradáveis, que se repetem ao longo do disco. Sim, Nick Cave, Tindersticks, Tori Amos... faz lembrar tudo isso. E há ainda a aposta ganha de cantar em português, como que a marcar a fronteira entre o feminino e o feminista. Um disco justificadamente ambicioso.

Charles Aznavour - Meo Arena


Daqui a uns anos, não muitos, haverá uma entrada nas enciclopédias sobre a “chanson” que começará assim: “modo de composição e interpretação em francês, cujo último ícone foi Charles Aznavour”. Nada menos que isto: Aznavour representa, já hoje, uma arte extinta, um estilo muito próprio, símbolo da música ligeira francesa do século XX. Essas canções sobrevivem ainda pelos bares e cabarets de Paris, em versões para turista, mas cá fora já ninguém ouve coisas dessas. De alguma forma, apenas mais um reflexo da perda de influência cultural dos gauleses. Aznavour nunca teve uma voz por aí além, mas compensa essa falha com uma interpretação empenhada. Tanto mais que, na maior parte dos casos, são canções em nome próprio, histórias de amor, talvez vividas por alguém que também foi galã de cinema. Escreveu mais de 1200, cantou-as em sete línguas, ao largo de quase 300 discos, entre originais e colectâneas. “Mourir d’Aimer”, “La Bohème”, “Je m'Voyais Déjà” e tantas outras, não esquecendo a sua famosa versão de “She”, vão ser cantadas em Lisboa, como foram no Outono na América, no Japão, ou, lá mais para o fim de Dezembro, em Paris. Aos 92, mais que uma demonstração de longevidade, Aznavour dá lições de classe. Provavelmente, será a última vez que se cantará assim em francês em Lisboa.