Wilco - Ashes Of American Flags ****/***

Reduzir a música dos Wilco a um mero country alternativo é, perdoe-se a redundância, redutor. E este DVD é a mais perfeita demonstração disso mesmo.
É claro que a base country é audível em todas as canções. Mas digamos que funciona mais como ponto de partida do que um meio de expressão. A música dos Wilco explode em várias direcções e coloca-as, por vezes, num patamar de experimentalismo que deixa muito para trás as raízes.
O DVD retrata uma digressão pela América, capturada em quatro auditórios e ocasiões bem diversas (Tulsa, Nova Orleães, Nashville e Washington), em que os momentos, digamos, mais bem comportados, alternam com autênticas explosões sónicas, das quais as trovoadas musicais que irrompem em “Via Chicago” são apenas o exemplo mais demonstrativo.
A serenidade de uma banda madura é, porém, a marca dominante deste conjunto de actuações, em que podemos ouvir algumas das melhores canções dos Wilco.
Os segmentos musicais são intercalados por registos de bastidores, que tanto mostram o dia-a-dia de uma banda em digressão, como conversas sobre música, como retratos da América. Há, por exemplo, os pormenores das polaroids de um dos membros da banda: retratos de uma América que desaparece através de uma tecnologia que desaparece. São imagens que, no fundo, justificam o título nostálgico do DVD – cinzas de bandeiras americanas.
Uma das cenas de bastidores mais deliciosa é a que se relaciona com o estado físico da banda. Andar na estrada, é sabido, não faz bem à saúde. O baterista queixa do pulso aberto, ao guitarrista doem-lhe as mães e a garganta de Jeff Tweedy é cuidadosamente examinada. Percebemos, depois em palco, porquê. Diz ele que, se aquele concerto fosse considerado um dos melhores do mundo (!), o prémio teria que lhes ser retirado – ele próprio estava ali a cantar carregado de esteróides para se aguentar.
No campo dos extras, além de meia dúzia de canções que sobraram do alinhamento, a possibilidade – que deveria existir em todos os DVD musicais – de descarregar da Net a banda sonora para ouvir em CD.

Iggy Pop - Preliminaires ****

Primeiro aviso preliminar: os fãs de Iggy Pop devem pensar duas vezes antes de comprar este disco.
Segundo aviso preliminar: este disco é muito bom e qualquer pessoa de bom gosto deverá ouvi-lo.
É claro que, com isto, não se pretende dizer que os fãs de Iggy Pop são pessoas de mau gosto. Mas, aos 62 anos, diz ele num texto de promoção ao novo disco: “Estou um bocado farto de ouvir rufias idiotas com guitarras”. E, bom, isto deverá magoar ligeiramente a legião de punks e pós-punks que o adoptaram como avô.
Este disco, a começar pelo título, é todo francês, se bem que apenas uma canção utilize essa língua – a mais que célebre “Les Feuilles Mortes”, em duas versões arrebatadas. Mas, a abrir e a fechar, é ela que marca todo o ambiente deste Preliminaires. É certo que há por aqui muita influência jazz (“King Of The Dogs”) e até – ah sim – guitarras barulhentas (“Nice To Be Dead”), uma canção que é tal e qual Doors (“A Machine For Loving”), outra que anda pelo blues (“She’s A Business”) e que Nick Cave ou até Leonard Cohen se escondem em algumas esquinas.
Mas a grande influência é mesmo Gainsbourg e o seu pop francês que foi beber, ele próprio, influências a tudo o que atrás foi descrito. Até uma ninfeta Iggy arranjou para que não tenhamos dúvidas (“Je Sais Que Tu Sais”). “I Want To Go To The Beach” ou “Spanish Coast”, duas das mais melódicas canções, poderiam perfeitamente ter sido escritas por um dos compositores franceses da actualidade. A esta marca francesa não será alheio o facto de o autor ser ter inspirado para algumas das canções no livro A Possibilidade de Uma Ilha, de Michel Houellebecq (“A Machine For Loving”) é mesmo uma transcrição dessa obra).
Acho que não será ofensa dizer que Iggy Pop amadureceu. E que ganhámos um novo artista chamado… Iggy Pop.