Lone Lisbonaires - Varina Voodoo ****

Este é segundo disco dos Lone Lisbonaires e não deixa de ser o tal da confirmação, apesar de o primeiro ter sido outra coisa. “Deported Songs” (2015) era um conjunto de canções em inglês, interpretadas por uma banda ocasional, mas resultado direto de um percurso a dois (Paulo Oliveira e Paulo Spranger) e de muitas horas ao vivo, na rua e locais conexos. Agora, os dois Paulos (guitarra, voz e harmónica) mantêm-se no epicentro, mas à volta está uma banda mais a sério. E as canções, em português, são bem mais estruturadas, apesar de no osso estar a mesma base orgânica de blues, muitos blues do Mississippi, mas também daquele nervo eléctrico que se ouve em estúdios e palcos do Mali e da Nigéria. Isto, claro, transplantado para o quotidiano dos Anjos ou da Marateca... “Rua do Paraíso”, pequena maravilha dançante, é o cartão de apresentação e, a partir dele, podemos adivinhar a exuberância que esta música pode alcançar nas improvisações ao vivo.

Steve Gunn - The Unseen in Between ****

Numa prova cega, este seria um disco traiçoeiro. Tudo nele soa aos verões do final da década de 1960, ou talvez às luas dos primeiros anos da década que seguiu. Folk, ora em versão acústica ora eléctrica, algum country, muito psicadelismo e uns pós de sonoridades indianas. Ou seja, algo entre trovadores como Tim Buckleye aquela primeira fase dos Pink Floyd. Steve Gunn afirmou-se como músico de estúdio e virtuoso da guitarra e foi progressivamente ganhando voz própria como compositor. Um trovador. O seu primeiro disco a solo a demonstrar essa tendência foi “Eyes on the Lines”, de 2016, sendo que a presente gravação constitui a consagração de um autor de primeira linha. Trata-se de nove canções que têm como mote a ideia de viagem, de deambulação por paisagens naturais e histórias de pessoas. “A hand-driven hand map provides the facts”, canta em “Paranoid”, a canção que encerra o disco, a que não faltam uns bons segundos de massa sonora atordoante, tão ao gosto dos sixties. Na mesma linha, “New Familiar” transporta-nos para as ragas indianas desses anos, enquanto “Morning is Mended” poderia ter saído da mente de Syd Barrett. Na versão acústica, em que Gunn resiste a exibir o virtuosismo que patenteia noutras paragens, cabe destacar “Stonehurst Cowboy”, a memória do pai numa evocação da paisagem de Filadélfia, e “Luciano”, a história da relação de um taberneiro com o seu gato. “New Moon”, que abre o disco, casa na perfeição as sonoridades acústica e eléctrica, num disco de produção afinadíssima e em que se descobrem novos pormenores a cada nova audição.

Beirut - Gallipoli ****

Os Beirut poderiam ser a tradução para uma linguagem universal da tal palavra saudade, que os portugueses gostam de pensar intraduzível. Nada de fado, que fala da saudade, mas não é saudade ele próprio. Esta música, sim. Aquela toada triste, melancólica, mas que sabe bem, bonita até, mesmo alegre às vezes. Aquela desesperança que nunca acaba e que, por isso mesmo, mantém sempre viva a esperança. Como a saudade. Isso talvez nunca tenha sido tão evidente como neste quinto disco de Zach Condon, o rapaz que gosta de se fazer passar por Beirut, uma banda que sempre fez da vagadundagem musical o seu cartão de visita. A matriz da última década e meia mantêm-se: som radicalmente indie, mas que não recusa beber em várias fontes folclóricas, especialmente do Leste europeu. A novidade, volvidos que estão quatro anos de silêncio, é agora a polifonia mais avançada em que tudo se apresenta, com as várias sonoridades a desenvolverem-se de forma autónoma, como se leques de uma orquestra sinfónica se tratasse. Fazê-lo, sem perder a leveza pop, eis a beleza da coisa. Nessa dança - sim, esta é também música de dança - entra o arcaico e omnipresente órgão Farfisa (“Corfu”), mas também o trompete, que Zach Condon interpreta em pistas sobrepostas (“Gallipoli”), ou os arranjos de metais (“We Never Lived Here”), ou ainda de tudo um pouco para parecer mesmo uma orquestra (“Family Curse”). E depois há duas canções maiores e que definem o disco - “Landslide” e “Varieties of Exile”, sobre coisas que acontecem maiores que nós, mas que nos fazem maiores, e as linhas frágeis que determinam permanências e ausências. Ou seja, a saudade.

Mercury Rev - Bobbie Gentry's The Delta Sweete Revisited ***

Bobbie Gentry caiu praticamente no esquecimento quando, no final da década de 1970, se retirou, após pouco mais de uma década de carreira marcada por um grande sucesso, “Ode to Billie Joe”, e um conjunto de discos em que procurou novos e amplos caminhos para a música de raiz country. 
Cantora e compositora – neta de portugueses, mas isso é irrelevante para esta história –, produziu também os seus próprios discos, incutindo-lhes sonoridades ricas e densas, com elementos pop, soul, gospel e blues, que haveriam de ser inspiração, décadas depois, para muitos nomes do country alternativa. 
A sua obra-prima é, precisamente, “The Delta Sweete” (1968), um razoável falhanço comercial, de que os Mercury Rev fazem agora uma versão completa, muito distante do original e razoavelmente desinteressante, apesar do convite a 13 vozes femininas para interpretar as canções desse disco mais o sucesso de “Billie Joe”. E nem vale a pena comparar a exuberância vocal e a subtileza instrumental de “Reunion” com a versão etérea e pastosa aqui interpretada por Rachel Goswell (Mojave 3). Aos originais de “Tobacco Road” ou de “Morning Glory” – em que se ouve ora peso do trabalho escravo nas plantações do sul dos EUA, ora uma voz ensonada que nem hesita em bocejar, correspondem agora réplicas domesticadas e rotineiras, como aliás é algumas vezes a música dos Mercury Rev. 
E nem a presença de algumas estrelas de primeira linha (Beth Orton, Norah Jones ou Lucinda Wiiliams) é suficiente para retirar esta aventura da mediania de que, precisamente, Bobbie Gentry fez tudo para fugir na sua época.

Cat Power - Wanderer ****

Há uma tensão permanente em Cat Power que talvez nunca tenha estado tão exposta, tenha sido tão evidente, como neste 10.º disco. A tensão entre a fragilidade e a força. A fragilidade da voz, quase sempre à beira do precipício, e a força que a cantora vai buscar sabe-se lá onde e que torna toda a sua música um acto de redenção. Desta vez, com Cat Power a toma conta de tudo, a fragilidade estende-se ao lado instrumental, com pianos esparsos, guitarras hesitantes e baterias em surdina. E o sentido de redenção é ainda mais apurado, porque autobiograficamente foi assim que as coisas se passaram. Desde o electrónico “Sun” (2012), a vida de Chan Marshall frequentou infernos até chegar aqui. Reza a lenda que Lana Del Rey (!) terá sido fundamental na operação de resgate do plano inclinado, e é com ela que se encena um dos temas centrais (“Woman”). E é mesmo difícil destacar um ou outro tema, num disco que se situa em permanência uns bons furos acima da banalidade.