Hindi Zahra - Handmade ***

A Patti Smith do Norte de África. É assim que Hindi Zahra está a ser promovida em todo o mundo (vem a Sintra dia 17). Trata-se, obviamente, de um daqueles equívocos de se lhe tirar o chapéu. A ideia foi de um crítico do Guardian, que assistiu a um espectáculo há uns meses atrás. Agora, ouvido o primeiro disco, fica-se com uma certeza – um dos dois estava com uma pedrada monumental.
Hindi Zahra poderia ser uma daquelas miúdas dos Nouvelle Vague que enveredam por uma carreira a solo. Canções lânguidas, com um swing tipo lounge, neste caso ornamentadas de especiarias árabes. 
Nascida em Marrocos e criada entre Paris e Londres, Hindi explora ao máximo o filão: há traços de chanson (“Beautiful Tango”), de blues (“At The Same Time”), de música berbere (“Ousoul”) e até, porque não?, de flamenco ou até de bossa nova. E há canções como “Fascination” que podem fazer o seu caminho e vencer o desafio da intemporalidade.

Junip - Fields ***

Tudo resumido é assim: Junip é José González acompanhado de teclas e bateria. Sim, a criação sai ao criador, mas não é exactamente a mesma coisa. E, sim, este disco pode ser um tanto aborrecido para quem não estiver na onda - uma espécie de transgénico, resultante do cruzamento do folk com o psicadelismo, numa versão minimal repetitiva.
José González – e agora convém lembrar que o cavalheiro, embora não pareça, é sueco, derivando o nome dos progenitores argentinos – granjeou fama e proveito mundial a partir de 2003, quando lançou Veneer, uma colecção de canções acústicas, servidas por guitarra e uma voz encantatória e ligeiramente monocórdica. Por artes da indústria musical, as suas canções foram parar a séries de televisão americanas e José virou fenómeno de culto, estado em que se encontrava em 2007, quando lançou o segundo disco, In Our Nature.
Os Junip, que juntam González às teclas de Tobias Winterkorn e à bateria de Elias Araya, já existiam antes do sucesso de Veneer, mas foram sendo relegados para segundo plano. Este Fields é, pois, um disco de gestação lenta.
As canções que aqui podemos ouvir não são muito diferentes daquelas que González gravou a solo. E aqui as opiniões podem dividir-se: os ornamentos instrumentais favorecem, ou não, as composições originais? Se há casos em que claramente se fica a ganhar (“Howl”, uma bela canção, de ritmo suavemente afro-latino), noutros o psicadelismo insistente e repetitivo torna a audição uma experiência algo desinteressante (por exemplo em “Rope & Summit”, estranhamente escolhida para primeiro single promocional). Ou seja, os instrumentos oram entram de mansinho, ora se impõem a tudo e todos, havendo casos em que tudo isso se passa na mesma canção (“Tide”). Em suma, um disco que só convencerá os convencidos.

Lloyd Cole - Broken Record ****

Que fazer com um fulano que começa um disco com uma declaração destas: “Não que me reste alguma dignidade”? O melhor será fingir que o levamos a sério. Afinal de contas, há um quarto de século que lhe conhecemos a queda para fazer da melancolia uma espécie de euforia. Descodificando: poucos conseguem conjugar, com esta elegância, “pain” (dor) com “gain” (ganho).
Melhor que as palavras, Broken Record demonstra essa toada fatalista que dá vontade de cantarolar um sonoro “la-ra-la” (a sério, há disso por aqui). Depois de quase uma década em que lançou discos caseiros, gravados a solo, em tom menor, Lloyd Cole grava finalmente 11 canções que, pela vivacidade, ressuscitam as boas memórias dos Commotions.
Não foi fácil, esta gravação. Afastado da ribalta (Portugal é dos raros países em que alcança um razoável sucesso), Lloyd precisou de recorrer a mil fãs, que entraram com 35 euros cada, destinados a pagar os músicos, recebendo em troca uma edição especial do CD empacotada pelo próprio.
O naipe de músicos inclui Blair Cowan, dos Commotions, e Joan Wasser (Joan As Policewoman), e a produção, com recurso a pedal steel guitar, banjos e cordas, remete mais para a América do que para a british pop a que estávamos habituados (“Westchester County Jail” e “Rhinestones” são descaradamente country). Mas há uma “Oh Genevieve” tão afrancesada que até tem acordeão e canções belas e intemporais como “Writers Retreat” ou “If I Were a Song”.
Em Outubro, Lloyd fará uma pequena tournée em Portugal (Porto, Guimarães, Estarreja, Sintra e Coimbra), com o Small Ensemble, uma versão reduzida deste grupo de músicos, e cantará certamente: “Maybe I’m not made for these times”. Talvez, mas por cá não nos importamos.

Eels - Tomorrow Morning ****

O senhor Mark ‘E’ Oliver Everett, também conhecido por eels, não é pessoa dada a grandes alegrias. Mas, nos últimos tempos, em razão de uns problemas amorosos, andava um bocadinho macambúzio de mais. É, por isso, com algum alívio que se comunica às massas uma melhoria, ainda que ligeira, do ânimo do senhor Mark.
É verdade que aquela voz balbuciada não ajuda muito, mas graças a uma dose inesperadamente acentuada de electrónica, há canções quase alegres, quase dançantes (“Spectacular Girl”) e outras que parecem brincadeiras (“I Like The Way This Is Going”). Mercê dessa electrónica toda e do timbre que a voz de Everett por vezes assume, às vezes parece que estamos a ouvir Peter Gabriel (“I’m A Hummingbird”), mas isso depois passa.
O nível geral das canções, e permita-se destacar “Oh So Lovely”, é geralmente elevado, de tal forma que a alegria do senhor Mark Everett se recomenda. Até porque sabe-se lá se dura.

Philip Selway - Familial ****

Este é um daqueles discos a que se chega por engano. Philip Selway é baterista dos Radiohead e, nessa qualidade, até costuma figurar entre os melhores da actualidade. Mas neste disco não toca bateria e poucos serão os fãs da banda britânica que acharão o mínimo de graça a estas canções.
Este é um disco sobre as famílias, para ouvir sossegado em casa, em família ou a sós, de preferência numa alta fidelidade, que a delicadeza dos sons assim o exige.
Selway toca guitarra acústica (a pouca bateria que por aqui se ouve ficou a cargo de Glenn Kotche, dos Wilco) e canta. E essa é a primeira grande surpresa. É verdade que há outros baterias que cantam (Phil Collins até enriqueceu com a brincadeira), mas a voz de Selway revela-se muito agradável, seja em sussurro, seja em quase falsetto, seja num registo mais normal.
A outra grande surpresa são as canções, elas próprias. Todas escritas por Selway e todas muito interessantes e belas, uma conjugação mais rara do que se julga. Há memórias da mãe, falecida há poucos anos (“Broken Promisses”), diálogos com o(s) filho(s) (“The Ties That Bind US”) e canções sobre as escolhas que a vida nos põe pela frente (“A Simple Life”).
O registo deriva directamente do folk, parecendo por vezes que somos transportados para o final dos anos 60, ou década de 70. Com a “ligeira” diferença de que raramente as canções surgem na sua forma mais primitiva. Com toda a subtileza do mundo, surgem arranjos, que passam por coros muito serenos, alguma electrónica esparsa e até, aqui ou ali, elemento orquestrais mais clássicos. Mas sempre, sempre, com uma leveza e um bom gosto extremo, o que torna a audição do disco num exercício algures entre a (auto)contemplação e o puro prazer estético.
Resta dizer que alguns portugueses já terão tido contacto com estas canções, quando, em Maio, Philip Selway passou pelo CCB, na companhia de Lisa Germano, e do baixista Sebastian Steinberg, que colaboram neste Familial.

Isobel Campbell & Mark Lanegan - Hawk ****

Duas receitas que se cruzam. A mistura do açúcar (Isobel Campbell, ex-Belle & Sebastian) com o sal (Mark Lanegan, ex-grunge) e uma das correntes de maior sucesso na música actual, aquela mistura de country com blues, em registo indie, a que se convencionou chamar de americana.
A primeira receita vai no terceiro disco e recomenda-se. Agora com a parte feminina a assumir totalmente os comandos, por exemplo na produção, sendo que Lanegan nem se dá ao trabalho de escrever uma canção que seja.
Uma das particularidades deste disco é a inclusão de dois clássicos de Townes Van Zandt, uma velha glória do country, o que, de alguma forma, dá o tal tom americana, que perpassa por todas as canções. E é assim que oscilamos entre o blues agreste do tema-título (um instrumental) e o quase sussurro de, por exemplo, “Snake Song”. No fim, fica uma certa desilusão, porque, no fundo, nada de novo aqui se passa. Mas, que diabo, nem só de novidade vivem as almas.