Belle and Sebastian - How to Solve Our Human Problems ****

Num mundo perfeito, ninguém se atreveria sequer a tentar encontrar defeitos na música dos Belle and Sebastian. Porque, especialmente nos últimos anos, eles fazem um tal esforço para espalhar a alegria que, mesmo que não fique perfeito, o mundo fica sempre um pouco melhor e mais feliz com a sua música. Não há aqui traço de melancolia, daquela doce e encantadora melancolia que tanto nos encantou nas primeiras duas décadas. Nem mesmo em baladas, como “We Were Beautiful”, com o seu fundo de “drum’n’bass”. Não, aqui tudo é positivo, seja quando estilizam o “disco” (“Sweet Dew Lee”), quando se atiram à Motown (“The Same Star” e “Best Friend”), ou quando se ficam pelo simples B&S vintage (“I’ll Be Your Pilot”). Até lhes perdoamos as palermices instrumentais de “Everything Is Now” ou o não menos desconchavada “Cornflakes”. Sim, quando dizem no título que querem resolver todos os nossos problemas, estão a falar a sério e fazem a parte deles. O resto depende de nós.

Janita Salomé - Valsa dos Poetas ***

Canções sobre poetas, canções de poetas, poetas das canções. Janita presta homenagem a alguns dos seus poetas preferidos, com novos e velhos temas, num registo de grande amplitude musical e interpretativa. Se “Bluebird”, poema de Charles Bukovski, surge num blues algures entre, digamos, Nick Cave e Tom Waits, já “Aquela Triste e Leda Madrugada” (Camões) é-nos apresentada num estilo jazzístico. Essa diversidade é assumida e resulta da opção de ter entregue os arranjos dos temas a dois músicos: Mário Delgado (guitarra) e Filipe Raposo (piano). Nos temas revisitados, há uma nova versão de “Não É Fácil o Amor” e outra de José Afonso (“Era um Redondo Vocábulo”). Lugar ainda para olhares mais a sul, com um poema de Ibn Amar. E depois aquela “Vozes do Sul / Carta à Sra. Dª Europa”, em que o próprio Janita se rebela contra os “usurários encartados” que comandam o Velho Continente, e não só. A poesia enquanto arma possível

Mariza - Mariza ****

Um dos segredos do enorme sucesso de Mariza – voz à parte, bem entendido – é o modo com tem sabido utilizar toda a elasticidade do fado, trazendo para o seu território, nem tanto outras sonoridades, mas antes modos de compor e cantar. “Quem Me Dera”, do músico angolano Matias Damásio, é um exemplo extremo desse movimento, ao forçar o convívio do fraseado do fado com as evoluções melódicas típicas das canções românticas. Ou, num plano completamente diferente, “Sou (Rochedo)”, um tema que já não é bem fado, embora tenha sido escrito por um especialista (Jorge Fernando). Neste sétimo disco de originais, Mariza continua, pois, a fazer a ponte entre a tradição revisitada (“Fado Errado”, em dueto com Maria da Fé, numa versão com fundo de flamenco) e a pura novidade (“Por Tanto Te Amar”, de Carolina Deslandes, numa interpretação intimista em que Mariza quase se liberta do fado). O disco marca ainda a estreia da cantora como letrista (“Oração”).

David Fonseca - Radio Gemini ***

David Fonseca assinala 20 anos de carreira – “Silence Becomes It”, o primeiro dos Silence Four, foi lançado em 1998 – com uma homenagem àquela que é (ainda?) a melhor amiga da música: a rádio. Não há sentimentalismos, ou nostalgia, num disco, longo, que se desenvolve em duas frentes: temas curtos, evocativos da rádio, que funcionam como jingles; e canções de formato mais convencional. Os primeiros são pequenos divertimentos, que giram à volta de um ritmo (a dançante “Blah-Blah-Blah”), ou de uma frase (“C’Est Pas Fini”), ou que remetem diretamente para a rádio (leitura de textos e instrumentais, em “A New Wave”). Nas canções propriamente ditas, temos o David Fonseca clássico (a balada “Closer, Stronger”, ou “Oh My Heart”, single evidente), mas atento às tendências dos tops anglo-saxónicos (“Get Up” e “Anyone Can Do It”). Como de costume, David compõe tudo, toca tudo e canta tudo, privilegiando a massa sonora de ritmos e teclas, em detrimento das guitarras e alguma respiração.

Roger Waters, Altice Arena, 20 e 21 de maio


Contra o sistema, cantar cantar Roger Waters passa por Lisboa a meio de uma longa digressão mundial centrada numa leitura fortemente política da obra dos Pink Floyd 

Em “Déjà Vu”, do seu disco mais recente, “Is This the Life We Really Want?” (2017), Roger Waters foi talvez um pouco longe de mais, pelo menos para alguns dos admiradores de sempre dos Pink Floyd (PF): “If I had been God, I believe I could have done a better job” (“Se eu tivesse sido Deus, acredito que teria feito um trabalho melhor”). Especialmente a partir de 1977, com “Animals”, e depois com “The Wall” (1979), os PF transformaram-se numa das mais consistentes vozes críticas daquilo a que poderemos chamar sistema capitalista, numa acepção que extravasa a economia e abarca um vasto conjunto de valores sociais e culturais. Fizeram-no de forma eficaz, não através de cantos revolucionários, mas a partir de dentro, tirando partido de toda a parafernália tecnológica e de marketing proporcionada pela indústria musical, ou seja, pelo capitalismo, ele próprio. Foi também nessa época que consolidaram e deram nova escala a uma forma de espectáculo em que a música surge dramatizada num aparato cénico e audiovisual de grande envergadura e impacto. 
Roger Waters foi o mago por detrás dessa fase, com David Gilmour em claro segundo plano, como tinha sido já ele a pegar no legado psicadélico de Syd Barrett e a dar-lhe um formato de enorme sucesso comercial – “The Dark Side of the Moon” (1973) é ainda hoje um dos discos mais vendidos de sempre. Waters afastou-se dos PF em meados da década de 80, com duas consequências hoje evidentes: sob a batuta de Gilmour, a banda entrou em longa agonia criativa; a sua carreira a solo pouco mais é que uma canibalização dos tempos áureos dos PF. 
Nas últimas três décadas, Waters lançou dois ou três discos com algum interesse e tem embarcado regularmente em digressões em que o prato forte é o acervo dos PF, tendo realizado já diversas encenações de “The Wall”. Agora, aos 75, realiza aquela que será provavelmente a sua derradeira volta ao mundo. Literal, já que a digressão começou há exactamente um ano e promete prolongar-se ainda mais uns meses por todos os continentes. 
São mais de duas horas de espectáculo, passando pelas canções do último disco a solo e por quase todos os grandes sucessos dos PF, numa leitura e alinhamento deliberadamente políticos. O título “Us and Them” remete para a temática da inclusão, tal como foi glosado num discurso de Obama, enquanto que, no polo oposto, Trump sai muito maltratado, especialmente durante o tema “Pigs”. 
Àqueles que – aconteceu... – abandonaram concertos em sinal de protesto com tanta política, responde Waters: “É um tanto surpreendente que alguém ouça as minhas canções dos últimos 50 anos e ainda as não tenha entendido”. É, de facto.

First Aid Kit - Ruins ****

Corações partidos dão belas canções. Eis a enésima constatação dessa maldição da pop, ou de toda a arte, o que certamente nos dará interessantes lições sobre a vida, ela própria. Estas 10 canções são, precisamente, sobre as ruínas de um caso amoroso de uma das irmãs Soderberg e, lá está, terá sido o motivo que as levou a quebrar um silêncio de quatro anos, numa carreira iniciada em 2008. Estamos, claro, perante mais uma banda escandinava, sueca, no caso, que mais parece ter nascido e crescido numa pequena cidade americana. São canções pop de forte raiz folk na composição, a que a instrumentação (pedal steel, etc) conferem uma evidente sonoridade country. “Postcard”, por exemplo, é uma balada simplesmente country, sem rodriguinhos, mas mesmo os dois temas mais comerciais (“Rebel Heart” e “Fireworks”), também devem muito aos esquemas mais tradicionais da música americana. Como as próprias harmonias vocais das irmãs, marca de água da banda.

Frankie Cosmos - Vessel *****

“Duet” é a canção de amor que Scarlett Johansson gostaria de cantar, naquela voz sussurrada horizontal. “The End”, no seu minuto e meio de vozes femininas sobre fundo de dedilhar acústico, poderia integrar uma das melhores colecções dos Magnetic Fields. “Cafeteria” é punk, como punk é também “Being Alive”. Guitarras dos 90, em “Accommodate”, sons etéreos em “My Phone”... E poderíamos continuar, já que, em 33 minutos, Greta Kline consegue mostrar-nos 18 canções, muitas delas quase meros esboços (“Ur Up”, 36 segundos), e apenas 7 delas com mais de dois minutos. Greta Kline, a autora, cantora e intérprete de tudo isto, numa banda de quatro com três convidados, é simplesmente genial. Não apenas porque faz tudo isto aos 24 – terceiro disco, mas o primeiro numa editora a sério, após muitas edições caseiras – mas especialmente pelo modo como o faz: Nova Iorque volta a ser a cidade onde tudo é possível, desde as banais aventuras no metro, às mais surpreendentes descobertas interiores.

MGMT - Little Dark Age ****

O último disco dos Prefab Sprout é de 2013, data em que os MGMT lançaram o seu terceiro, segundo numa série de tédio psicadélico, após a estreia espectacular de “Oracular Spetacular” (2008). Acontece que agora, no regresso cinco anos volvidos, os MGMT parecem ter herdado parcialmente os genes da banda dos manos McAloon. Por exemplo, em “Me and Michael”, o tema mais comercial do disco, ou nas linhas melódicas de “James”. O duo continua ainda obcecado com as experiências psicadélicas – “When You’re Small” parece a sequela do floydiano “Arnold Lane – mas o disco revela uma vivacidade e uma liberdade só comparável à obra inicial. Liberdade quase excessiva, tal é a diversidade de abordagens, tantas quantas as canções. Como se de uma banda à procura do Norte se tratasse, o que não andará muito longe da verdade. Paradoxalmente, o resultado final não se ressente desse desnorte, talvez porque cada uma das unidades tem, de facto, uma mais-valia evidente.

Kyle Craft - Full Circle Nightmare **

Kyle Craft é um tipo engraçado e não tomem isso como um elogio. Dylan, diz ele, será uma das suas influências, especialmente na vertente lírica. Na verdade, apanhamo-lo muitas vezes a debitar versos em catadupa, tal como o Nobel faz, mas, como na anedota, Kyle apenas terá apreendido a música do poema e não propriamente o poema. Noutras palavras, a cantilena. As canções deste disco são, na prática, dez variações sobre um mesmo tema: quão diabólicas conseguem ser as mulheres quando não gosta, ou pior, deixam de gostar de um homem. E tudo isto martelado em sucessivas e pouco inspiradas metáforas. É pena. Porque há na postura de Kyle, no seu revivalismo e energia à anos setenta, terreno fértil para outros voos. Talvez um pouco menos acelerado, como em “Bridge City Rose”, ou especialmente “Slick & Delta Queen”. Este é o primeiro disco a sério (o anterior, de 2016, apesar de oficial é demasiado caseiro...) e talvez dê para afinar o conceito. Caso contrário...

Paulo Bragança - Cativo ***

Há uma bipolaridade em Paulo Bragança que faz falta à cena fadista. Talvez nunca, como agora, se tenha cantado tanto e tão bom fado. Mas ninguém canta como Paulo Bragança, pés bem assentes no fado, mas alma sempre a tentar voar para paisagens inesperadas. Nunca deixando verdadeiramente de ser fado, mas sempre tentado explorar os seus limites, o que tanto pode remeter para a busca das origens, como para um qualquer futuro por achar. Desapareceu, literalmente, em 2001, após uns fulgurantes lampejos, sabendo-se agora que andou pela Irlanda e outras partes, meio perdido. Volta, de mansinho, com um EP de sete temas e a promessa de obra maior (“Exílio”) mais à frente. “Peregrino”, fado-canção a meias com Carlos Maria Trindade, poderá ser a primeira canção dessa aventura. Deste EP, ficam memórias de dois grandes (Carlos do Carmo e Carlos Ramos), duas homenagens geracionais (Sitiados e Xutos) e uma aventura celta. Aguardemos, então.