Mark Lanegan Band - Somebody’s Knocking ****

Que disco mais adequado para Dia de Finados, Halloween e outras festas dos mortos. Sim, festas. Mark Lanegan continua negro, negro, quase tétrico, mas agora cada canção é, na prática, um convite à dança. Uma dança de esqueletos, uma festa a que todos comparecem vestidos de negro. Mas decididamente festa, seja no registo eletrónico, seja nas guitarras que neste disco ganham claramente aos sintetizadores e caixas de ritmos que marcaram a sonoridade dos discos da última década. A electrónica ainda aqui anda, e domina mesmo algumas canções, como “Dark Disco Jag” ou o disco de “Penthouse High”, com as suas referências a fantasmas, por entre aquela batida de uma alegria contagiante. Mas é nas canções dominadas pelas guitarras, como “Disbelief Suspension”, “Sticht It Up” ou, por exemplo, “Gazing from the Shore”, que Mark solta a franga e põe todo a gente a dançar ao som de poderosos riffs. Por uma hora e tal, a vida vence a morte.

Nick Cave - Ghosteen *****

Um disco assumidamente à procura de paz, verso repetido insistentemente no tema final, a longa epopeia de 14 minutos de “Hollywood”. Um disco sobre a perda, declamada na mesma canção, com referências explícitas à morte do filho adolescente há uns anos – e abordada de forma mais extensiva e simbólica em “Ghosteen Speaks”. Mas também um disco de reencontros, de amor nas suas mais variadas formas, de religião e fantasmas.
Este é um Nick Cave reflexivo, servido por uma estrutura musical que, aqui como nunca antes de forma tão clara e deliberada, serve esse propósito de uma introspeção que deambula à face da terra numa busca permanente da tal paz, que em última instância pode já não ser deste mundo. 
Aqui não há guitarras, eléctricas ou outras, nada que se pareça com uma secção rítmica tradicional. O pulsar das canções é definido por uma eletrónica omnipresente, espectral, sobre a qual evoluem frequentemente sussurros, coros e meros esboços vocais (“Galleon Ship”). Lençóis planantes, de um barroquismo sereno. De outros tempos resta o piano, por exemplo em “Waiting For You”, ela própria uma balada de amor a lembrar tantas outras de uma já longa discografia. “Night Raid”, no seu relato de uma noite num quarto de hotel, mas também na cenografia do coro feminino, remete-nos inevitavelmente para um universo coheniano, numa daquelas aproximações que sempre nos pareceram evidentes, mas um tanto improváveis. 
A um conjunto de oito canções, a que Cave chamou de “filhos”, segue-se um segundo disco, com dois longuíssimos temas, separados por uma breve declamação, os “pais”. E é aí que “Hollywood” funciona como que um exorcismo final, arrumando neste capítulo um ciclo de dor do qual será possível sair. Ou talvez não, veremos.

Metronomy - Forever ****

Quem consegue chegar ao fim deste verão sem provar um gelado de caramelo salgado? Até os supermercados low cost os têm. Um sabor de verão preservado para a eternidade, em mais uma daquelas canções muito bem dispostas dos Metronomy, um cruzamento de Bee Gees, era disco, com os Pet Shop Boys (ou será Kraftwerk?). Joseph Mount continua a escrever canções que tanto dão para as pistas de dança, como para os mais cool sunsets – sim, esta música é verão puro – de estrutura basicamente funk, cobertura essencialmente eletrónica, com uns riffs de guitarra que sabem tão bem como os toppings. Esse registo, também em “Lately” ou “Insecurity”, tem neste sexto disco da banda um contraponto talvez demasiado expressivo em temas mais experimentais (“Forever is a Long Time” e “Miracle Rooftop”), que funcionam como espaço de respiração, mas que não deixam de ser uns baldes de água fria que por aqui vão aparecendo.

Iggy Pop - Free ****

A fúria celebratória do ano de 1969, obviamente, passou ao lado do primeiro disco (homónimo) dos Stooges, que cunhou aquilo que conhecemos por punk rock. Iggy Pop, que na altura tinha por hábito sair do palco ensanguentado, é hoje um rebelde sereno e também ele se esqueceu da efeméride. A marca mais notória deste seu 18.º disco a solo é a total imersão no ambiente do jazz, seja nos temas mais vibrantes (“James Bond”, “Loves Missing”), seja especialmente nos mais atmosféricos, em que se destacam a abertura, com a declaração de princípios “I wanna be free” (quero ser livre) e as três declamações finais, que incluem um poema de Lou Reed (“We Are The People) e “Do Not Go Gently”, de Dylan Thomas. O trompetista Leron Thomas e a guitarrista Noveller são os grandes artifíces do som que por aqui se ouve, surfando basicamente sobre ritmos e sintetizadores. Apesar da evidente bipolaridade, este é já um dos melhores discos de Iggy Pop, correndo embora o risco de desagradar a gregos e troianos, precisamente devido a essa aposta de corrida em duas pistas.

Josh Ritter - Fever Breaks ***

Josh Ritter anda nisto há 20 anos e 10 discos. Num mundo – o da música pop e arredores – em que a novidade é o combustível, inventou uma fórmula discreta de sobrevivência, que consiste em inovar apenas o suficiente para prosseguir caminho numa estrada de trilhos conhecidos e seguros. Herdeiro das grandes sonoridades americanas, que podem ir de Dylan a Neil Young, de Tom Petty a Springsteen, faz-se rodear neste disco de Jason Isbell (produtor) e da sua banda de apoio, os Unit 400. O resultado é um som mais consistente e cuidado, sobre o qual Ritter tece o mais tradicional cancioneiro americano, sejam as canções de amor e separação (“On The Water”), sejam as de maior envolvimento político (“The Torch Committee” e “All Some Kind of Dream”, pela qual passa o drama o dos refugiados). “Old Black Magic” e “Losing Battles” são dois hinos de guitarras vibrantes, “Blazing Highway Home”, o reverso acústico.

Julia Saphiro - Perfect Version ***

Das Childbirth e, especialmente, das Chastity Belt, por onde andou na última década, Julia Saphiro trouxe apenas o amor sem reticências ao poder encantatório das guitarras. Tudo o resto é diferente, se não oposto. Onde antes havia sentido de humor e interação com o mundo lá fora, há agora fechamento sobre si própria, reflexão sobre a vida, as relações, o amor. Como em tantos outros casos, este primeiro esforço a solo é completamente autobiográfico e nasce de relacionamentos que não funcionaram, mas também de problemas de saúde complicados. Nem por isso, no entanto, se torna um disco de difícil audição. Provavelmente pelas guitarras (cristalinas em “Natural”, agrestes em “Harder to Do”), talvez pela doce melancolia à la Beach House (“Shape”), talvez pela harmonia global de um exercício, em que Julia Shapiro compõe, canta e toca todos os instrumentos, excepção para um trompete e uns violinos. De tudo resulta uma certa curiosidade sobre os próximos capítulos.