Nick Cave - Ghosteen *****

Um disco assumidamente à procura de paz, verso repetido insistentemente no tema final, a longa epopeia de 14 minutos de “Hollywood”. Um disco sobre a perda, declamada na mesma canção, com referências explícitas à morte do filho adolescente há uns anos – e abordada de forma mais extensiva e simbólica em “Ghosteen Speaks”. Mas também um disco de reencontros, de amor nas suas mais variadas formas, de religião e fantasmas.
Este é um Nick Cave reflexivo, servido por uma estrutura musical que, aqui como nunca antes de forma tão clara e deliberada, serve esse propósito de uma introspeção que deambula à face da terra numa busca permanente da tal paz, que em última instância pode já não ser deste mundo. 
Aqui não há guitarras, eléctricas ou outras, nada que se pareça com uma secção rítmica tradicional. O pulsar das canções é definido por uma eletrónica omnipresente, espectral, sobre a qual evoluem frequentemente sussurros, coros e meros esboços vocais (“Galleon Ship”). Lençóis planantes, de um barroquismo sereno. De outros tempos resta o piano, por exemplo em “Waiting For You”, ela própria uma balada de amor a lembrar tantas outras de uma já longa discografia. “Night Raid”, no seu relato de uma noite num quarto de hotel, mas também na cenografia do coro feminino, remete-nos inevitavelmente para um universo coheniano, numa daquelas aproximações que sempre nos pareceram evidentes, mas um tanto improváveis. 
A um conjunto de oito canções, a que Cave chamou de “filhos”, segue-se um segundo disco, com dois longuíssimos temas, separados por uma breve declamação, os “pais”. E é aí que “Hollywood” funciona como que um exorcismo final, arrumando neste capítulo um ciclo de dor do qual será possível sair. Ou talvez não, veremos.

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