Tiago Bettencourt - A Procura ****

O lado B – este CD tem dois lados, uma maneira de arrumar as canções – é mais denso, com as canções a deixarem-se envolver em sonoridades vastas, à proporção dos instrumentos. É aqui que podemos ouvir “Fogo no Jardim”, um canto de intervenção dos dias de hoje, atravessado por sons da filosofia de Agostinho da Silva e pelas declarações belicistas dos presidentes americanos. Mas é no lado A, mais intimista, que estão as canções que vale a pena memorizar. Canções intimistas, porque procuram, como diz o título do disco, mas também pela frugalidade instrumental. Basicamente, este é um disco fascinado pela eletrónica, sejam as caixas de ritmo, ou os omnipresentes sintetizadores. Um intimismo pop, por paradoxal que tal possa parecer. Há aqui pop da boa, da que vende (há lá pop que não venda...), bem escrita, bem produzida. Pelo menos os três primeiros temas do disco são, por isso mesmo, autênticos hits instantâneos.

Bonnie Prince Billy - Best Troubador ****

Certo, um disco de versões é sempre uma apropriação. A transfiguração do original pela lente de quem presta homenagem. O que Bonnie Prince Billy fez com Merle Haggard (1937-2016) é algo de bem mais radical. Ao deixar de parte alguns dos maiores sucessos da estrela grande da “country”, assim como as suas canções mais animadas, Bonnie reserva-nos um Merle muito parcial, muito ao seu jeito. Este é o Merle intimista, das canções de amor complexas, das reflexões sobre a existência. Junte-se a produção caseira, num registo quase ao vivo, as flautas e o saxofone que substituem os banjos a “pedal steel” e temos o cenário sobre o qual se desenvolve a voz serena e até sussurrada (“I Am What I Am”) de Bonnie. “If I Could Only Fly”, que encerra o disco, ou “My Old Pal” são dois dos temas em que o espírito deste disco mais se corporiza. O ADN das canções ainda é “country”, mas este disco já é outra coisa.

Camané - Canta Marceneiro *****

Camané já cantou muitas vezes Marceneiro. Logo no segundo disco (1998), há um fado com música da Marcha do Marceneiro. Nisso, Camané não se distingue da maioria dos fadistas, já que quase todos acabam por interpretar temas com músicas do grande fadista, seja o Fado Cravo, o Fado Laranjeira, ou qualquer um dos fados com que Marceneiro ajudou a moldar o fado que hoje conhecemos. Mas Camané obrigou-se a esperar quase duas décadas, a amadurecer duas décadas, para verdadeiramente cantar Marceneiro. Ou seja, para cantar exactamente os fados que Marceneiro cantou. Com aquelas músicas, mas também com aquelas letras e, acima de tudo, com aquela alma. 
Não se trata aqui de imitar ou emular Marceneiro, isso seria talvez mais fácil. O que Camané faz é recriar Marceneiro, propondo a sua própria interpretação, a qual, por ser tão íntima da original, acaba por se transformar na melhor das homenagens. Essa é a primeira vitória deste disco, sendo a segunda a coragem de cantar em 2017 estes versos arrancados à boémia, às casas de fados e a uma mundividência da primeira metade do século XX, em que – imagine-se – ainda havia mundo rural (“Quadras Soltas”), ciganos “alquiladores” que “roubavam” camareiras e até mesmo jovens pintores que pintavam na rua retratos das suas prostitutas mães (“Bêbado Pintor”). São quadros quase arqueológicos que convivem com os temas mais eternos do amor e do engano (“Olhos Fatais”) ou da tal tão nossa saudade (“Despedida”). E depois há essa pequena e pouca conhecida pérola que se chama “O Remorso” (interpretação vocal e instrumental superiores) e ainda outra, “Lembro-me de Ti”. 
A capa de Siza Vieira ou o dueto com Carlos do Carmo são já bónus num disco perfeito.

Marco Rodrigues - Copo Meio Cheio ****

Preconceito nenhum. Há fado fado, há canções quase pop que parecem fado, há fados tradicionais com letras nada convencionais, há fados quase sem guitarra portuguesa, e por aí fora. O quinto disco de Marco Rodrigues revela um artista plenamente seguro de si, capaz de ignorar todas as fronteiras e ficar à vontade na mesma. A ideia de trazer outros instrumentos para o fado já vinha de trás (aqui, o acordeão em “Fado do Cobarde”, ou o piano e a harmónica em “O Amor Desacontece”). A novidade agora é trazer para o fado autores que nunca nele haviam sequer pensado. E há de tudo: um verdadeiro fado escrito por Agir (“Por Ti”), uma canção pop com nada de fado, pelos Amor Electro (“Copo Meio Cheio”). E as letras inesperadas, com rimas de “swag” e “biscuit, de Luísa Sobral, Carlão ou Capicua, para velhos fados tradicionais. Surpreendente, como permite o fado tanta liberdade e criatividade e mesmo assim ser fado.

Cage The Elephant - Unpeeled ***

Americanos do Kentucky, os Cage The Elephant conquistaram a Inglaterra com um som meio garage, meio punk. Ou seja, com guitarras e secções rítmicas sem contemplações. Este disco é, porém, algo completamente diferente: a banda decidiu fazer uma digressão acompanhada por um quarteto de cordas e com as guitarras em registo comedido. Estão lá, são importantes, chegam a impor-se, mas nunca esmagam. O resultado é muito interessante, mesmo para quem não esteve particularmente atento aos cinco discos anteriores, um deles ao vivo, aliás como este, embora possa não parecer à primeira vista. Faltam por vezes os aplausos e o ambiente, mas as interpretações, apesar de perfeitinhas, não enganam. Neste registo, assemelham-se muito aos Kinks, até pelo sentido de humor. A revisão dos principais temas, sem a canga instrumental, acaba por mostrar uma banda de qualidade de escrita acima da média. Com um agridoce muito britânico, lá está.