Beck Song Reader ***

Como no famoso quadro do Magritte: isto não é um Beck. Depois, vai-se a ver, e é mesmo um Beck. Até tem Beck a cantar e tudo. Mas, ao contrário do quadro, aqui o que parece não é, e isto não é mesmo um Beck. O projecto começou em 2012 e não era para ser isto. Na irrequietude que marca os últimos anos da sua carreira, Beck lembrou-se de ressuscitar uma moda da primeira metade do século XX: a edição de pautas de música para que o povo possa exercitar os seus dotes musicais. O livro de pautas deu origem, então, a uma onda de gravações no Youtube, em registos maioritariamente amadores, mas algumas a destacarem-se da multidão. Próximo passo: alguns amadores e outros nem tanto, em palco. Sucesso mediano. Eis então que alguém se lembra de fazer um disco para angariar fundos destinados a uma associação de crianças americanas. E eis as pautas em acção. A participação de Beck limita-se à interpretação de um tema ("Heaven's Ladder"), num tom, aliás, descaradamente beatliano. Apesar de um ou outro momento com mais interesse, o resultado global - como, aliás, costuma acontecer com este tipo de projectos - deixa muito a desejar. Não é que cada um cante para seu lado, mas todos parecem pouco dispostos a arriscar (por exemplo, Loudon Wainwright III, ou mesmo Jack White, a quem costumamos ouvir melhor). Excepções? A belíssima interpretação de Swamp Dogg de uma das melhores canções do disco ("America, Here's My Boy"), David Johansen a fazer de Tom Waits e (!) Norah Jones a fazer da mais perfeita Norah Jones. Há quem diga que giro, giro mesmo, era Beck gravar um disco com esta canções para percebermos o que queria ele dizer com elas. Pois...

Clube Internacional Transatlântico de Criadores e Gostadores da Música que Se Faz Hoje ****

O mais provável é que este disco não mude nada, apesar das boas intenções. E a intenção explícita é dar a conhecer nos dois lados do Atlântico a música que se faz em cada uma das margens. As regras da indústria e as ditaduras do gosto deverão encarregar-se, como de costume, de tratar das boas intenções... Isto apesar de o disco até estar disponível para download gratuito no site da editora. A ideia foi do brasileiro Marcelo Camelo, a viver em Portugal, que apresentou os músicos da sua banda (Wado, Momo e Cícero) aos portugueses Diego Armés (Feromona), Bernardo Barata (Diabo na Cruz), Alexandre Bernardo (Laia) e Fred (Buraka, Ovelha Negra). O repertório é quase completamente composto por versões de temas já conhecidos, havendo dois inéditos de Armés (belíssimo, "Corda Para o Nó"), havendo uma clara opção por abordagens simples, límpidas. "Pescador" talvez seja paradigmático daquilo a que se propõem, na fusão perfeita das raízes do fado com o tropicalismo, evoluindo para uma espécie de ié-ié dançante.

King Creosote - From Scotland With Love ****


Ouve-se falar pouco da Escócia, especialmente desde que o gin passou a ser a bebida social por excelência. Mas este é um verão escocês. Daqui a poucas semanas, decidem em referendo se passam a independentes (o Mick Jagger mais uns tantos já vieram dizer "não façam isso") e, nos exercícios de aquecimento, receberam em Julho os Jogos da Commonwealth. E foi precisamente para esses jogos que Virginia Heath realizou um documentário, com imagens de arquivo (cenas de trabalho, emigração, ócio e amor), sem palavras, e apenas a música de Kenny Anderson, o prolífico King Creosote - mais de 50 discos, todos baseados na tradição musical escocesa. O resultado são 11 quadros emotivos sobre a história recente, as gentes e as paisagens da Escócia, da vida dos pescadores ("Cargill"), ou das crianças e seus lanches ("Leafe Piece"), das celebrações ("For One Night Only"). Uma oportunidade rara de ouvir este tipo de música (e pronúncia).

Thievery Corporation - Saudade **

"Não chega a ser música de supermercado, de aeroporto talvez." Este elogio envenenado foi o máximo que a nova aventura dos Thievery Corporation conseguiu na crítica do jornal Globo. E vale a pena chamar aqui a avaliação brasileira porque os nova-iorquinos decidiram pôr de lado as electrónicas e as samplagens e arriscar um quase genuíno disco de bossa nova. Quase, porque não resistiu a salpicar alguns temas, de forma muito esparsa, de uns toques da sonoridade que os tornou famosos ("No More Disguise"). A verdadeira aposta é, porém, reproduzir, sem risco ou especial brilho, todo o cânone da bossa nova, o que leva o duo a recorrer, pela primeira vez de forma tão extensiva, a instrumentos reais, sejam as cordas, as percursões, ou as guitarras acústicas. O "pequeno" problema é que, nas últimas décadas, não houve cão nem gato que não tenha explorado o filão da bossa. O que atira este disco para a prateleira dos projectos indiferenciados (e, logo, falhados).