Antony no Cascais Music Festival

A tese explica-se facilmente. Antony está convencido de que foi o domínio masculino que nos conduziu à estagnação e à desordem da sociedade actual. E que só um sistema de governo feminino poderá repor o equilíbrio. A tese é desenvolvida num longo monólogo de sete minutos (“Future Feminism”), a segunda faixa do seu novo disco, Cut The World, a editar em Agosto. Trata-se de uma gravação ao vivo, que revisita alguns temas dos quatro discos de Antony and The Johnsons, mas com acompanhamento de orquestra. É precisamente esse conceito que Antony Hegarty vai trazer a Cascais – aqui acompanhado pela Sinfonietta de Lisboa –, naquele que promete ser um dos concertos do ano, não apenas pelas capacidades vocais e dramáticas de Antony, por algumas das mais belas canções escritas nas últimas décadas, mas também pela supresa que são sempre os seus espectáculos. Antes de encerrar com a chave de ouro de Mariza – regressada em grande forma e a caminho de actuar nos Jogos Olímpicos – o Cascais Music Festival ainda cumpre o cerimonial obrigatório de nos apresentar os Pink Martini, aquela confusão de jazz, sons latinos e outras coisas superficialmente agradáveis, sem as quais o Verão teria menos charme.

The Walkmen - Heaven ****

A verdade é que estamos todos um pouco mais velhos, diria o inevitável La Palice. Apesar de tudo, uns mais velhos que outros, que isto da idade tem os seus segredos, especialmente na forma de a cortornar. A idade é precisamente o tema central na abordagem do novo disco dos Walkmen. Desde logo porque os rapazes decidiram encher a capa de criançada, em ambiente descaradamente familiar, no disco que marca o décimo aniversário da banda e que se chama Heaven, palavra demasiado celestial para a rebeldia que lhes colávamos. Um equívoco, na verdade. Porque do que gostamos mesmo nos Walkmen – e não é por acaso que a maioria dos seus seguidores em Portugal não são propriamente adolescentes... – é da rebeldia estudada, a pose da rebeldia. Uma rebeldia em nosso nome, os acomodados. Heaven é, apesar de tudo, um gesto de clarificação. Continuam lá as guitarras primárias, pouco mais que riffs ou um dedilhar encantatório, a voz entre o balbuciar e o desespero do grito, uma atitude que tanto remete para os anos rock’n’roll, como para o punk, o que é mais ou menos a mesma coisa. Mas agora os Walkmen estão felizes e não é suposto que os rebeldes o sejam. A tal contradição que sempre lá esteve, e que só agora se torna evidente. Teorias à parte, eis uma dúzia de canções vibrantes, das quais é difícil destacar uma. Talvez a abertura, “We Can’t Be Beat”, uma balada acústica, coros à maneira, que evolui para um cântico de recorte celebratório. Ou, quase ao calhas, “Heartbreaker” ou “The Love You Love”, duas composições que evidenciam todo o ADN da banda. Ou, na faceta mais adulta, a mais que sóbria “Southern Heart”, uma voz solitária que ecoa sobre um quase imperceptível fundo de guitarra acústica. Estão, de facto, mais crescidos.

Sigor Rós - Valtari ****

Este é um disco que se ouve bem no Youtube. Os Sigur Rós convidaram uma série de cineastas para criarem vídeos a partir de cada uma das canções deste Valtari e o resultado, como se adivinhava, é espantoso. Se cada uma das canções já remete para territórios oníricos muito próprios, imagine-se tudo isso fantasiado em imagens, que cobrem a música de mais algumas camadas de imaginação. O caso mais espantoso talvez seja a recriação de Fjogur Píanó por Alma Har’el, de uma muito particular e intensa beleza. Sem imagens, recomenda-se vivamente Varúõ, uma coisa quase religiosa, entre várias camadas vocais, momentos de grande serenidade e um explosão a remeter para os grandes espaços. O resto do disco é para sorver tranquilamente, quase em melancolia. Após cinco anos de silêncio, os Sigur Rós regressam aos primórdios das texturas e do paisagismo melódico. Obviamente que não é para todos.