Madalena Palmeirim - Right As Rain ****

Esse arco indefinível que une o fado, a morna, o samba. Música tão portuguesa, por ser ângulo desse arco, mas também universal, sem fronteiras, de estilo ou linguísticas. Madalena Palmeirim abalança-se na primeira aventura em nome próprio, após uma década de estúdio e estrada, ora com o irmão, Bernardo, no projecto Nome Comum (“Cuco”, 2015), ora com outras companhias, como Francisca Cortesão e Mariana Ricardo (Minta & The Brook Trout e They’re Heading West). Todos eles se juntam agora a Madalena, e ainda Carlos Barretto, com o seu doublebass em dois temas, e o brasileiro Momo, no dueto de “Solidão”, uma das tais canções que voa sobre o Atlântico. A outra mais descarada é “M´Câ Sabê”, uma morna cabo-verdiana construída sobre um fado. Fado que aliás surge logo de seguida, com balanço tropical, em “Teus braços de embalar”. E depois há as canções em inglês, mais cosmopolitas, com milimétrica e elegante encenação vocal e instrumental.

Fiona Apple - Fetch The Bolt Cutters *****

Fiona Apple nunca foi propriamente uma menina do coro, naquele sentido do pop melódico, penteadinho, no seu lugar. Mas nunca, como neste regresso após quase uma década de silêncio (“The Idler Wheel…”, 2012), foi tão longe na dissonância. Estamos ainda em zona pop, pela atitude e inevitavelmente pelo mercado em que se move, mas estas 13 canções devem muito é ao jazz, especialmente na sua variante free, free jazz. Seja pela recusa do facilitismo da melodia óbvia, seja pela descontinuidade de trechos e estilos musicais(“For Her”) , seja pela inacreditável liberdade instrumental e de interpretação (em “On I Go” fica mesmo para a posterioridade um erro no final do refrão…). O disco foi gravado na casa de Fiona, na Califórnia, com mais três músicos, que tocaram literalmente em tudo o que estava à mão, gerando registos rítmicos surpreendentes e inolvidáveis, no tema título, por exemplo. E mesmo na frente vocal, esta menina que nunca foi do coro inventa coros, que são mais somas de vozes do que propriamente qualquer expressão uníssona da presença humana (“Shameika” e “Newspaper”). “I Want You To Love Me”, o tema-título, ou “Under The Table” são canções em que a exuberância desta abordagem de jam session balizada atinge uma expressão mais evidente. Grandes canções. Estamos aqui perante um território estético pouco canónico, mas que, paradoxalmente, absorve e desenvolve a fragmentação estilística que domina os tops de todo o mundo. A expressão de toda a originalidade interior, no momento exacto em que o terreno está fértil para a sua progressão e consequente assimilação pelo colectivo. Costumam ser assim os génios.

The Strokes - The New Abnormal ****

Convenhamos. Não podemos exigir sempre temas de abertura como “Is This It” (2001), ou “You Only Live Once” (2006). Mas “The Adults Are Talking” não é propriamente de se deitar fora. A banda quebra o silêncio de sete anos com aquele que é seguramente o seu melhor disco desde a trilogia inicial. O primeiro single, “At The Door”, uma quase balada, sem bateria e quase só teclas, deixou algumas angústias no ar. É um tema de palco, para grande encenação, mas faltavam-lhe os famosos “riffs” de guitarra e a bateria entusiasmada, imagem de marca destes nova-iorquinos. Guitarras e bateria, afinal, não faltam por aqui, em temas que remetem em permanência para os grandes momentos do passado, como em “Brooklyn Bridge to Chorus” ou “Bad Decisions”. Há, claro, alguma palha, como “Not The Same Anymore”, mas não chega para ensombrar o regresso. Só fica por esclarecer a presença de Rick Rubin, produtor que normalmente sinaliza inflexões assinaláveis de trajeto, o que não é, de todo, o caso. Se o passado é um local confortável para regressar, porque não uma escapadinha de vez em quando?

Animais - 15 Anos sem Paredes ***

Este disco levou mais de década e meia a nascer. E isso pode ser um problema. Em 2003, músicos dos Belle Chase Hotel e do Quinteto de Coimbra reuniram-se, nos Mondego Chase, para homenagear Carlos Paredes. Desse tempo, ficou o registo da versão de “Verdes Anos”, que integrou a colectânea “Movimento Perpétuo”, também desse ano. Volvido este tempo, esses músicos rodearam-se de outros, para, finalmente, passarem a disco essa experiência e, de alguma forma, expandi-la. Onde antes havia versões instrumentais e um apego à guitarra portuguesa, há agora canções com letra e bastante densidade instrumental, que ocupam metade do disco. Só que, entretanto, existiram os Dead Combo, que exploraram muito este tipo de sonoridades, e principalmente o projecto Amália Hoje (2009), ambos a limitarem bastante o efeito novidade que este disco poderia ter. Se os temas instrumentais nos deixam agarrados aos caminhos inesperados que abrem, já as canções sofrem do mesmo problema da homenagem a Amália, ou seja, um excesso de intensidade, de uma instrumentação gongórica, que mata toda a subtileza.