Patrick Watson - Adventures In Your Own Backyard **

Nem sempre um boa colecção de pérolas faz um belo colar. É o que acontece com este disco, o quarto de Patrick Watson. Cada canção é uma pequena obra de arte, especialmente nas orquestrações. Pormenores de piano, de metais, coros ou guitarra fazem de cada canção uma aventura sonora, sempre melodiosa, sempre na busca de um conceito de beleza óbvia. Estamos claramente no território da intimidade, da melancolia, embora os tons pastel nunca resvalem para a zona de escuridão. E talvez seja esse um dos problemas, talvez que seja tudo demasiado bonitinho, muito certinho, e falte por aqui garra, uma voz que rasgue. Patrick Watson, entretido em tecelagens de falsetos, torna este exercício ainda mais fastidioso. O que torna o CD mais recomendável para experiências de levitação zen do que propriamente de fruição musical. E, no entanto, o potencial está lá todo... Talvez para a próxima.

Santana - Shape Shifter **

Comecemos pelo mais importante. Pedir desculpa a alentejanos e algarvios pela brutal invasão de que foram alvo por alturas da Fundação. Respeite-se, pois, o pedido de Carlos Santana na capa do novo disco – que todos os povos invasores do mundo sigam os exemplos da Austrália e dos EUA e peçam desculpa aos nativos que oprimiram. Satisfeito este preceito, informe-se o senhor Carlos Santana que, sim, a prova de vida está superada e pode prosseguir para bingo e editar o próximo disco, o 37.º da sua carreira. Este, o 36.º, é excelente porque põe fim ao ciclo altamente foleiro, em que resmas de cantores de duvidosa craveira eram convidados para garantir lugar nos tops, e marca o regresso aos velhos instrumentais bem esgalhados do início de carreira. Sendo excelente por isso, não deixa de ser a enésima versão dessas baladas e guitarradas de antanho. A que nem falta a citação (três notas apenas...) do famoso “Samba Pa Ti”...

Janis Joplin - The Pearl Sessions *****

Coisa de alquimista. Janis Joplin transformava em ouro cada canção em que a sua voz tocava. E estabelecia um padrão difícil de alcançar a cada nova versão. Veja-se o caso de “Summertime”, em Cheap Thrills (1969), ainda com os Big Brother & The Holding Company. Ou “Me and Bobby McGee”, neste Pearl, gravado no Verão de 1970, mas lançado apenas em Janeiro do ano seguinte, quatro meses após a morte da cantora. Pearl é um disco absolutamente admirável, histórico. Claro que pela voz de Janis, por cada sílaba colocada em sítios inimagináveis, pelo fraseado blues tantas vezes copiado mas nunca imitado, pela naturalidade de quem canta como quem respira. Mas também por um rigor e uma criatividade musicais raras, no caso às ordens de Paul Rothchild, o produtor de, por exemplo, grande parte dos discos dos Doors. E se “Move Over” casa admiravelmente a guitarra, o baixo e a voz, já o a capella de “Mercedes Benz” é simplesmente genial e irrepetível. Esta edição de Pearl, não sendo a primeira especial em CD, pode funcionar como introdução a quem ainda não conhece Janis, mas agradará também aos fãs, pelos extras que contém. O primeiro CD tem os dez temas originais, remasterizados em estéreo, mais seis versões mono destinadas à rádio e, à vez, é possível apreender a excelência instrumental e a potência da voz. No segundo CD, surgem, além de dois temas ao vivo, uma série de versões alternativas de estúdio. Que fique muito claro: nenhuma destas versões é superior às que foram seleccionadas para o disco original. Funcionam, antes, como uma pequena amostra do modo como as canções foram construídas, do ambiente criativo e de boa disposição no estúdio. Mais do que alternativas, são versões intermédias das pérolas finais.

Patti Smith - Banga *****

Este é o melhor disco de Patti Smith desde Horses, ou simplesmente o melhor disco de Patti Smith? A dúvida é, de certa forma, irrelevante e apenas prova que estamos, isso sim, perante uma obra maior da música pop-rock. É claro que nada substitui a força do disco inaugural (1975), uma pedrada no charco, pai e mãe de todo o punk. Mas a verdade é que 37 anos depois (!?), Patti não apenas emana a mesma energia como a canaliza com maior intensidade intelectual, poética e mesmo física. Sim, porque é de uma artista no auge da carreira que falamos. Nos últimos três anos, recebeu todas as honras e prémios literários pela publicação de Just Kids (Apenas Miúdos, Quetzal), o livro de memórias da coabitação com Robert Mapplethorpe, viu publicada a obra fotográfica, dedicou-se às artes plásticas, editou uma celebrada revisão da obra musical. Enfim, aquilo a que se chama de “consagração”, o momento mágico em que o sistema absorve os malditos e os glorifica em santos. Não é fácil, porém, sobreviver a tanta honraria e muitos soçobraram, ora ao peso do ouro, ora da responsabilidade. Ao invés, Patti Smith parece ter ido aí buscar ainda mais inspiração para aquele que é, de facto, o seu melhor disco. Pelo modo como trabalha a mitologia do Novo Continente (“Amerigo”), a cruza com a Europa renascentista e a mística católica (“Constantine’s Dream”), como celebra amigos presentes e idos (“Nine”, “This Is The Girl”, “Maria”), como se embrenha pela literatura e artes russas (“Tarkovsky”, “Banga”), pela melhor canção pop que já escreveu (“April Fool”). E porque – e isso nem seria o mais importante – nunca sua voz foi tão aveludada e definida como agora. Nota para burgueses: comprem a edição especial, livro mais CD. Vale a pena!

Norah Jones - Little Broken Hearts ****

Velho estratagema: o artista tenta expiar uma separação emocional através de um disco em que, inevitavelmente, os farrapos desse mesmo passado teimam em deixar marcas por todo o lado. Norah Jones, porém, fá-lo em grande estilo, depois de, em 2009, com The Fall, ter mostrado ao mundo que, apesar do seu ar doce e frágil, não pretendia manter-se por muito mais tempo como a menina bonita do jazz ligeirinho. Passados três anos, a menina continua bonita, mas agora um pouco ácida. Para esse exercício de acidez contribui Brian Burton, também conhecido por Danger Mouse, um rapaz da electrónica que co-assina todos os temas e produz o disco (conheceram-se no projecto dele Rome). É um encontro estranho, entre uma voz melodiosa, clássica, e a vanguarda sintética. Mas funciona, porque Danger Mouse deixa respirar as texturas da voz de Norah respirarem (“Say Goodbye” é um excelente exemplo) e até sabe retirar-se nas alturas certas (“She’s 22”).

M. Ward - A Wasteland Campanion *****

Um destes dias, alguém escrevia que M. Ward é assim uma espécie de Leonard Cohen um pouco menos acutilante. As pessoas escrevem com cada coisa… Heresias à parte, M. Ward é um trovador tipicamente americano, muito marcado pelo sol da costa oeste, estirpe bem diversa das penumbras do poeta canadiano. A comparação apenas se entende pela dificuldade de catalogação de Ward e em especial deste disco. E talvez por alguns temas que mergulham em coisas da alma tão caras a Cohen, em especial as canções da segunda parte do disco. A primeira, digamos que os cinco primeiros temas, são todos eles cheios de sol, em alguns casos raiando o pop adolescente, caso da releitura de “Sweetheart”, do peculiaríssimo Daniel Johnston, em dueto com Zooey Deschanel (ah, ainda não tinha alertado: M. Ward é o “him” do duo She & Him, precisamente com Zooey, uma cara linda de Hollywood). E é nesta primeira parte que encontramos “Primitive Girl”, pop de escrita própria, “I Get Ideias”, versão rock’n’roll de um velho tema celebrizado por Louis Armstrong e Peggy Lee. Ou ainda a perturbante e psicadélica “Me And My Shadow”. Na segunda parte, os temas viram-se para dentro, melancólicos, intimistas, por vezes sussurrados (mas, atenção, Cohen é mesmo outra coisa…). Dessa toada em tom menor (“There’s A Key” é um bom exemplo), sobressai “Crawl After You”, na sua simplicidade seguramente uma das canções mais bonitas da colheita de 2012. O conjunto revela um compositor em grande forma, um intérprete que nunca será mais que mediano mas que contorna razoavelmente as limitações, e um produtor irrequieto, que tem muitos mundos na cabeça e muito gozo em mostrá-los.

Rufus Wainwright


Há uns anos que Rufus Wainwright não escrevia canções de recorte clássico. O novo disco, como nos conta Manuel Morgado, criou a oportunidade perfeita para o regresso de um dos mais completos artistas da actualidade.

Desta vez, as velas vão estar no palco. E se o Coliseu quiser agradar (e surpreender) a Rufus apenas terá que o imitar, dar ao dedo, alumiar isqueiros e telemóveis. Velas, quem sabe? É pois com velas (“Candles”) que o espectáculo começa, em memória de Kate McGarrigle, a mãe falecida há dois anos. Uma memória cara a Rufus e, por isso, a música de Kate propriamente dita ouvir-se-á mais à frente, num tributo preparatório de uma homenagem maior, daqui a uma semana, em Toronto. Como mais à frente se ouvirá uma canção de Loudon Wainwright III, o pai, e outra dedicada à filha (Viva, neta de Leonard Cohen), e ainda mais uma dedicada à mãe... É assim este Rufus que agora se apresenta em palco, ainda com mais referências à família, num movimento de permanente reverência às raízes da sua música.
Esta digressão  mundial (Europa, América, Austrália) destina-se a celebrar o regresso em disco às canções, puras canções, depois das experiências operáticas e pianísticas dos últimos anos. Out Of Of The Game é, pois, a continuação dos dois volumes de Want (2003, 2004), Release The Stars (2007) e mesmo de Poses (2001). Um exercício que teve aos comandos Mark Ronson, a vedeta do retro-soul (Amy Winhouse), o qual injecta nas composições características de Rufus meia dose de electrónica e outra de nostalgia, desta feita, à anos 70. Há, por isso, quem insista em ouvir por aqui Bowie, Fleetwood Mac, Elton John e até os Eagles – a toada ligeira do tema “Out Of The Game” legitima todas essas aproximações –, sendo que a verdade é que nunca deixa de se ouvir Cole Porter, talvez a influência mais marcante do fraseado daquele é certamente um dos mais interessantes compositores deste início de século.
Para o palco, saltará algo de Ronson - “Bitter Tears” e “Perfect Man” são indissociáveis da batida funk - mas salta especialmente o bom e velho Rufus, um artista com um apuradíssimo sentido do espectáculo. Out Of The Game está, de resto, recheado de temas de grande resultado dramático, a pedirem encenações grandiosos, não lhe falhem instrumentos e coros. É o caso, por exemplo, da canção que dá nome ao disco, ou de “Jericho” e  “Rashida”, propícias à exuberância de cabaret de que Rufus é um perito. E depois há os momentos mais intimistas, como “Montauk”, “Respectable Dive” ou “Sometimes You Need”, em relação aos quais se levanta a dúvida de saber se a abordagem ao vivo comporta os suaves adornos de Ronson, ou se, pelo contrário, opta por uma uma derivação mais singela.
Entre homenagens e o disco novo, pouco tempo sobrará para revisitar a carreira já recheada de sucesso e belíssimas canções. A ácida “Going to a Town”, ou “Poses” serão algumas das poucas excepções e quem quiser mais talvez seja de insistir nos encores...
Uma coisa é certa – pelo que se conhece do artista (e esta é a quarta vez que actua em Lisboa), a noite está garantida. Poucos reunem hoje em dia tão distintas qualidades de composição, interpretação vocal e dramatização em palco.