Diana Krall - This Dream of You ****

Tommy LiPuma (1936-2017) foi, durante as quase duas décadas em que assumiu papel preponderante na Verve, a sombra de Diana Krall e um dos artífices dos megaêxitos da pianista e cantora. LiPuma, como Krall, tinha a visão de que o jazz deveria ser acessível a toda a gente e não vale a pena regressar à discussão sobre se o jazz de Diana é mesmo jazz. A última colaboração dos dois foi “Turn Up the Quiet” (2017), mas dessas sessões sobraram algums temas, que vêm agora a luz do dia, quase em jeito de homenagem. Então, como agora, trata-se de revisitar os clássicos americanos, num registo ainda mais sereno que o habitual na discografia da canadiana. Nestes casos, fica sempre a ideia de aquilo que interessava ficou no primeiro disco e que o segundo mais não é que um depósito de sobras. Não parece ser o caso. O apuradíssimo trabalho de orquestração dá a cada instrumento espaço para respirar: a guitarra em “How Deep Is The Ocean”, o violino em “This Dream of You”, o contrabaixo em “There’s No You” e evidentemente o piano e as discretas cordas um pouco todo o lado. E sabe muito bem ouvir “This Dream of You”, de Dylan, por entre estes clássicos mais antigos. Como que a demonstrar o tal conceito de elasticidade de LiPuma.

Bruce Springsteen - Letter to You ****

“Quando a voz de Ben E. King enche o ar, baby, isso é o poder da oração”. Poucos músicos terão trabalhado tanto o tema da música enquanto salvação, redenção das dores de dentro e dos pecados do mundo. As canções de Springsteen assumem por isso quase sempre a forma de hino ou oração, especialmente quando interpretadas ao vivo. Este disco recupera por inteiro esse espírito, percorrendo quase enciclopedicamente cada uma das malhas musicais criadas pela E Street Band, ao longo de quase cinco décadas de estrada e estúdio. Desta vez, juntaram-se, durante uma semana de neve, em New Jersey, para um disco gravado sem grandes artifícios técnicos, o que lhe confere uma sonoridade autêntica, quase de palco. “House of a Thousand Guitars” e “Ghosts” são os temas onde esse exercício é mais consequente. São, obviamente, canções que nada trazem de novo, limitando-se a revisitar o cânone, com energia e alegria, diga-se. Um disco que recupera três canções de 1972, recorda a primeira banda de Springsteen (os Castiles) e ataca Trump com um tema escrito no tempo de Bush (“Rainmaker”). Nostalgia, outro território querido ao “boss”.