Richard Swift - The Atlantic Ocean ****

Ouve-se a primeira canção e parecem os Beatles serôdios que ressuscitam. Salta-se para a última, “Lady Luck”, e caímos no meio de uma gravação da Motown dos tempos áureos. E depois há a segunda, “The Original Thought”, que parece Kinks cruzado de Van Dyke Parks. E todas outras parecem ter algo daquele som de cabaret sofisticado de Van Dyke Parks, ou então qualquer coisa dos anos sessenta.
Richard Swift é aquilo a que podemos chamar, com toda a propriedade, um “ganda maluco”. Um génio meio avariado. Um Rufus Wainwright que, em vez de se concentrar no essencial, gosta é de pegar nas melodias e pôr-se a brincar com elas. A ver se resistem.
É claro que todas estas comparações resultam numa enorme injustiça. Porque Swift sabe mesmo escrever canções e, de certa forma, não tem culpa de, tão novo, ter absorvido tanta e tão boa música.
Um disco para quem gosta de ser surpreendido. Mesmo quando se pensa que já se conhece.

a Jigsaw - Like The Wolf ****

Coimbra, como toda a gente sabe, fica algures numa daquelas florestas americanas. Onde desapareceu Laura Palmer, acho que entre os States e o Canadá.
O som desta banda de Coimbra é totalmente americano. No inglês das canções, na opção pelas raízes blues e folk, nos instrumentos (banjos, violinos, guitarras acústicas, pequenos instrumentos de magia…). Mas também nas histórias, que nada têm de cá, mas que conseguimos facilmente localizar numa das tais florestas, cheias de póneis castanhos e lobos nocturnos (muitos lobos há nestas histórias de amores, viagens e encantamentos).
O grupo (João Rui, Jorri e Susana Ribeiro) já anda na estrada há uma década e este é o segundo trabalho de grande fôlego. Um trabalho maduro, a revelar grande criatividade e profissionalismo, com uma produção bastante cuidada.
Apesar de se tratar de uma aposta assumidamente destinada a minorias (afinal de contas, há sempre os originais e nem esses vendem assim tanto), merece alguma atenção a quem gosta deste género musical.

Bob Dylan - Together Trough Life ******

É como quando se fala de Vinho do Porto. Há as colheitas vintage e dessas pouco mais há a dizer que enaltecer a sua excepcionalidade. De um Dylan vintage – e este é um Dylan vintage – pouco mais há a dizer. Excepcional. Tudo o que a partir daqui possa ser dito só contribuirá para vulgarizar o que o não deveria ser.
De há uns anos a esta parte, mais precisamente desde 1997, com Time Out Of Mind, Dylan está a construir um legado que apenas rivaliza, na sua longa carreira, com a época áurea de meados dos anos 60.
Houve quem pressintisse nesta fase algo de crepuscular, um acerto de contas com a vida, uma reflexão sobre o fim. Este Together Trough Life vem contrariar claramente essa tese.
Este é um disco claramente romântico. Em que o amor é o último refúgio de um mundo turbulento. Aqui e ali, há versos cáusticos sobre “estados falidos” e coisas afins (“My Wife´s Home Town”). Mas o romance, bem ou mal sucedido, é o que atravessa todas as canções. E também o sonho (“This Dream Of You”), mesmo quando Dylan admite que, com ele, os sonhos não funcionam, mesmo quando se tornam realidade…
À semelhança do que acontecera com os seus últimos registos, musicalmente somos remetidos para épocas pré-rock. No caso, o blues, chegando a ouvir-se citações directas de Willie Dixon (“My Wife’s Home Town”), cruzado com uma forte influência tex-mex, não sendo por acaso que o acordeão de David Hidalgo (Los Lobos) é omnipresente. O disco terá sido gravado num acto de urgência criativa e isso nota-se nos arranjos imediatistas, sem grandes pretensões.
A canção mais marcante talvez seja “I Feel A Change Comin’ On”, na sua ambiguidade entre a política e o discurso amoroso, numa tapeçaria de versos que fará as delícias dos dylanófilos.
Como já vem sendo hábito, há edições para todos os gostos, com extras que incluem entrevistas, posters e amostras do programa de rádio de Dylan.