Queen - Rock Montreal ****

A figura de Freddie Mercury, boné branco, lenço vermelho ao pescoço, calção branco justinho, aquele peito nu cabeludo, as pernas tipo caneta… A cantar “Another One Bites The Dust”, por exemplo, fazendo-se acompanhar por uma bizarra dança de pé descalço. É como na velha história do ovo e da galinha. Estávamos no dealbar da década de 80 e já ninguém se lembra se foi Freddie a inventar aquela estética gay se foi a estética gay a invadir Freddie. O grupo nunca foi, de resto, identificado com qualquer tipologia de raiz sexual e a suas canções, mesmo as de carácter mais ambíguo, sempre foram aplaudidas por orgulhosos hetero. A questão, irrelevante do ponto de vista musical, apenas ganha alguma importância mediante um objecto como este DVD, em que aquilo que hoje identificamos como estética gay é por demais evidente.
Esta gravação resulta de dois concertos, realizados em Novembro de 1981 em Montreal, e foi inicialmente comercializada sob o título de We Will Rock You. A presente edição foi convenientemente tratada, quer na imagem quer no som, e essa mais-valia é bem percepível.
O DVD é, de alguma forma, histórico, na medida em que nos devolve os Queen no auge da sua forma, sete anos após o início de carreira, e antes de uma década, a de oitenta, em que frequentemente cederam a uma certa facilidade. Aqui ainda os encontramos na sua pureza/rudeza inicial, uma banda gongórica, mas genuína.
O concerto percorre todos os êxitos da primeira fase – “Somebody to Love”, “Bohemian Rhapsody”, “We Are The Champions”… – em versões próximas dos originais e, obviamente, executadas com todo o rigor.
Pena é a inexistência de quaisquer extras, à parte os comentários audio de Brian May e Roger Taylor.

Sheryl Crow - Hits and Rarities ****

Sheryl Crow sofre da maldição das louras. As louras dão-se bem com os tops, mas quase ninguém – enfim, os críticos – as leva a sério. Sheryl Crow é, porém, uma rapariga sem complexos, não a imaginamos ensimesmada com o que dizem os críticos. O ofício dela é fazer canções para divertimento geral, canções bem dispostas, ritmadas, com a profundidade estritamente necessária para que a rima faça sentido. Ela personifica, de certa forma, o lado hedonista dos anos 90, não sendo raro vê-la associada a surfistas, ou mesmo a ciclistas, para grande proveito de Lance Armstrong. A sua música inscreve-se na tradição dos grandes songwriters americanos pós-60, não se podendo esperar dela grandes rasgos de inovação. O negócio são mesmo as canções, as boas e velhas canções. Este disco é o seu segundo Best Of em menos de quatro anos e só se explica pela necessidade de colmatar um longo silêncio, motivado por doença grave, e antecipar Detour, previsto para Fevereiro de 2008, mas do qual já se pode ouvir, no Youtube, por exemplo, “Shine Over Babylon”. Relativamente ao The Very Best, de 2003, mas entretanto reeditado em vários formatos, esta colectânea acrescenta algumas raridades, como o dueto de “Always on Your Side” com Sting, ou “Try Not To Remember”, da banda sonora de Home Of The Brave, ou “Wildflower”, do disco com o mesmo nome, de 2005. Ficamos a perder, pela ausência de “Steve McQueen”, mas a ganhar, pela óbvia recuperação de “Run, Baby, Run”. Ou seja, os fãs têm aqui alguns motivos de júbilo, enquanto que para o comum dos mortais esta é uma boa abordagem a uma das vozes mais sensuais (ah sim…) da pop actual.

Michael Bublé - Call Me Irresponsible *****

O gajo é canadiano e, sabes, os canadianos estão sempre acima de qualquer suspeita e, além disso, estão na moda… - Queres então dizer que é assim uma espécie de Julio Iglesias canadiano? – Nada… se quiseres, é mais um Sinatra, enfim, um quase-sinatra, canadiano.
Michael Bublé, imagina-se, deve estar farto que lhe perguntem pelo Sinatra. Sim, que terá sido uma influência, sim, que lá em casa, casa de músicos, se ouvia muito Sinatra, e Ella e os outros todos. Mas é inevitável pensar em Sinatra quando se ouvem discos como este, mesmo que a voz fique, digamos, um bocadito longe da Voz. Mas ele é o repertório, ele são as orquestrações, ora à Nelson Riddle, ora mais jazzísticas, ele é toda a pose, e sabemos como a pose conta, oh se conta, nos dias que correm.
Não vale a pena menosprezar. É claro que discos como este acabam muitas vezes como bandas sonoras de romances urbanos, mas não deixa de ser verdade que, envolvências à parte, o que sobra é muito bom, mesmo muito bom.
O disco é obra de profissionais. Os arranjos, sejam eles de cordas ou de metais, são do mais sublime que se fabrica. As canções, e isso é sintomático, vão dos clássicos mais clássicos (“The Best Is Yet To Come”, “Me and Mrs Jones”, “Call Me Irresponsible”), aos clássicos menos óbvios (“I’m Your Man”, “Wonderful Tonight”, “Always On My Mind”) aos originais de Bublé, potenciais clássicos eles próprios (“Lost”, “Everything”). A elegância colocada na recriação das canções de Nelson e Clapton (esta em mui conseguido dueto bilingue com Ivan Lins), ou a subtileza cinematográfica com que é abordado o original de Cohen bastariam para tornar a audição obrigatória. Mas há mais, basta pôr de parte o preconceito.

Petrus Castrus - Mestre *****

Ao contrário do que por aí se diz, Portugal tem sido um bom e constante aluno das modas internacionais no que à música diz respeito. E não há que ter vergonha de ser bom aluno. Se houve o punk, logo tivemos os Xutos. Para o ié-ié, tinhamos à mão o Quinteto Académico. Contra os Beatles ié-ié atirámos os Sheiks e quando a coisa se sofisticou ainda sacámos do Cid e seu Quarteto.
Ah, e agora deu-lhes para se armarem em intelectuais e juntarem clássica com rock, poesia à séria com teatralidade, melodias e harmonias à solta? Pois que avancem os Castros com o Sophia, o O’Neill, o Ary, o Pessoa e o Bocage. Mais uns sintetizadores, uns metais, pianos acústicos e guitarras eléctricas. E temos Mestre, um dos melhores discos gravados em Portugal (verdadeiramente, foi em França e a qualidade sonora não o deixa mentir), e uma autêntica lenda agora viva – desde que viu a luz, em 1973, nunca mais foi reeditado e há quem garanta já o ter visto a mais de 500 euros em lojas de raridades e leilões por esse mundo fora.
Passadas mais de três décadas, mantém-se intacta a explosão de criatividade musical, servido por uma gravação impecável, rara para a época e agora em todo o seu brilho, devido à recuperação digital das fitas magnéticas originais.
A edição é fortemente enriquecida por dois extras datados de 1977 e ainda por um CD com inédito, Morte Anunciada Dum Taxista Obeso, gravado entre 2000 e 2005 e onde se mantém o mesmo registo satírico nas letras, mas em que se verifica uma actualização musical espantosa para quem está publicamente inactivo desde 1979. Não se espantem, pois, se “Toni, o Estripador” ou “Dedo no Gatilho” ainda rodarem por aí em alguma rádio.

Vinicio Capossela - Nel Niente Sotto Il Sole ****

Há quem lhe chame o Tom Waits italiano, mas isso é redutor. Capossela é difícil de catalogar e comparar. Nele confluem várias influências, que passam, sim, por Waits, mas também pela música folclórica e por vários experimentalismos. O que mais diferencia a música de Capossela acaba por ser um universo onírico muito particular em que se cruzam soldados soviéticos, centuriões romanos, faunos e minotauros. Esta edição reproduz, em CD e DVD, o concerto que trouxe há semanas a Lisboa e ao Porto.

Aretha Franklin - Jewels In The Crown *

Juro que a princípio ainda imaginei um engano – olha, a Tina Turner escondeu-se no estúdio e ninguém deu por ela. É que, da grande, da enorme, Aretha, este disco não tem nada. Sim, há uma senhora que abre muito a boca, canta muito alto. Mas tudo é um erro de casting, do casting propriamente dito (duetos com Mariah Carey? Eurythmics? Whitney Houston?), às canções disparatadas, banais, à produção toda ela muito eléctrica, muito plástico. Enfim, é Natal…

Joni Mitchell & James Taylor - The Circle Games ****

Este é o registo de um encontro improvável de dois americanos em Londres. Mais precisamente no Royal Albert Hall, no Outono de 1970, estavam ambos ainda no início das respectivas carreiras. Apenas os dois, umas guitarras acústicas, um piano, trocando canções, mas raramente cruzando vozes, o que é pena. O disco circulou durante décadas em versão pirata e só é pena que esta primeira edição oficial seja tão pobrezinha na embalagem como as da candonga.

Alicia Keys - As I Am ***


Alicia Keys é tão boa, tão boa, que até chateia. Também é gira, mas façamos de conta que no mundo da música isso não conta. Fiquemos, pois, pela música. Alicia Keys é uma virtuosa, uma perfeccionista, uma enciclopédia musical a debitar pautas de piano desde os sete anos.
Este disco começa com 50 segundos de piano à la Chopin, como que a lembrar-nos que esta é a tal miúda de cultura clássica que se perdeu pela soul… O problema é que Alicia Keys não se perdeu, naquele sentido bíblico de entrega da alma, como a música soul, música de perdidos por excelência, exigiria. A música de Alicia Keys, como se pressentira nos dois discos anteriores (não contando com o Unplugged de 2005), é calculista. Onde parece estar paixão, pressente-se artifício. Onde se esperaria risco, temos profissionalismo. Há inspiração, é certo, mas numa dose convenientemente moderada pela transpiração.
Quer isto dizer que estamos perante um mau disco? Nem por isso. De Alicia Keys nunca se poderá esperar um mau disco. Só que a exigência deve ser proporcional ao currículo acumulado e desta super-premiada nova-iorquina esperava-se agora mais que uma revisitação da Motown (Teenage Love Affair), da Stax (Where Do We Go From Here), de Prince (Like You’ll Never See Me Again), ou até dos Black Eyed Peas (No One). Em registo muito aveludado, muito redondo, de produção muito profissional.
Nem tudo será reelaboração, mas se é certo que Alicia Keys parece não se contentar com o classicismo da soul e parece querer procurar algo mais, não se consegue descortinar até onde poderá chegar, que caminhos pretende trilhar que a projectem para lá da mediania desta gravação.