Miguel - War & Leisure ****

Amor em tempo de guerra, de cólera. Ou guerra e diversão, na explícita crueza do título. A proposta de Miguel para estes tempos de mísseis e Trumps que nos atormentam é explicitamente erótica, nem tanto pela repetida utilização da f-word (“Come Through and Chill”), mas antes pela sensualidade que exala de toda a sua música. As guitarras deslizantes, insinuantes, a secção rítmica a chamar o corpo a todas as danças, a voz ora funda ora lânguida (“Wolf”). A música de Miguel insere-se, aliás, numa linhagem que remonta a Marvin Gaye, tem em Prince uma influência evidente (“Told You So”), e presta homenagem a nomes, como Stevie Wonder, que souberam cruzar o soul com o R&B – Prince e Wonder juntos, aliás, em “Pineapple Skies”, uma das canções mais luminosas de um disco que nunca soçobra aos tempos sombrios (“Now”). Este quarto registo do músico californiano é, sem complexos, um claro movimento num sentido mais pop, comercial. E, sem qualquer contradição, uma nova confirmação como um dos grandes compositores da actualidade.

U2 - Songs of Experience ****

A Rolling Stone considerou-o o terceiro melhor disco de 2017. Outros, especialmente os britânicos, declararam os U2 quase moribundos. É a vertigem das redes sociais – só podes ser besta ou bestial, não há meio termo – a contaminar a crítica musical (vidé os dois últimos anos dos Arcade Fire). Acontece que o mais recente dos U2 não se ajeita a essa moda. Na pior das hipóteses, será um disco médio, e poderíamos alegar a favor dessa tese com “The Little Things That Give You Away”, um preguiçoso pastiche dos tempos de Joshua Tree. Mas excepção é excepção e, na verdade, a maioria das canções aqui presentes são bem mais interessantes e até reveladoras de uma inesperada vitalidade, se tivermos em conta as hesitações (três anos...) que rodearam este disco. Canções pop, de puro divertimento, as melhores delas: “The Showman”, “Get Out of Your Own Way” ou “Summer of Love”, em que dificilmente a mensagem política (Síria) se sobreporá ao ritmo de dança indolente. Nada há aqui de novo, sim. Mas era suposto haver?

The Legendary Tiger Man - Misfit ****

Em 1961, John Huston foi ao deserto filmar a solidão, real e trágica, de três actores (Clark Gable, Montgomery Clift, Marilyn Monroe), em “The Misfits” (“Os Inadaptados”). 
É também no deserto que Paulo Furtado põe em cena um novo alter ego, Misfit, para, nos dar a ouvir a solidão. Ou, no caso, o vazio, para o qual remete o documentário-ficção “Fade Into Nothing” que acompanha esta edição. Um diário, em forma de road movie, revelador do cenário, paisagístico e interior, em que foram escritas estas 11 canções. 
Esqueçam os lençóis melódicos com que Ry Cooder nos dá a ouvir o deserto (em “Paris Texas”, por exemplo). Aqui, deserto é mais que solidão, é sol a pino (“Red Sun”), carne em brasa, buraco negro na alma (“Black Hole”). E isso pede, como pediu um dos coprodutores deste disco, Johnny Hostile (o outro é Dave Catching), “fucked up guitars” e “fat drum sounds”. E ainda toda a espécie de efeitos, distorções de voz e instrumentos, e “overdubs”, o que não é novidade com TLTM, a que se juntam – isso sim, novo – Paulo Segadães (bateria) e João Cabrita (sax). 
O resultado é uma “wall of sound” suja, num regresso radical ao rock’n’roll, com variações de fraca amplitude ao longo de 40 minutos. “Fix of Rock’n’Roll” será a síntese mais feliz, e eventualmente comercial, a par do quase-funk quase-reggae “Sleeping Alone”.

Foo Fighters - Concrete and Gold ***

Aos 20 segundos de “Sunday Rain” temos de ir confirmar se não há engano e não estaremos a ouvir uma das derradeiras canções dos Beatles. As coisas esclarecem-se rapidamente quando Dave Grohl abre a goela e o resto da banda acompanha sempre a abrir, sendo igual ao litro que MacCartney, o próprio, se esforce na bateria – qualquer um faria o mesmo. Os Foo Fighters sempre foram assim, pouco dados a pormenores, sempre mais apostados na massa sonora e nos seus efeitos nas massas. É certo que este disco abre espaço ao psicadelismo a la Pink Floyd (“Dirty Water”) e até a uma balada séria, daquelas que não cedem a guinadas sónicas (“Happy Ever After”). Mas é no exercício mais pesado que a banda nunca desilude, seja na balada de estádio (“The Sky Is a Neighborhood”), ou no verdadeiro catálogo de riffs, coros e rasganços de voz (“Run”). Nada muito diferente do começo, em 1994, nove discos atrás.

Shania Twain - Now ***

Sejamos francos: é impossível lembrar Shania sem os vídeos a transbordar de sensualidade. Mas aquilo fazia sentido, batia certo com a alegria vibrante das canções. Estávamos nos anos 90 e tudo parecia possível. Por isso, Shania “That Don’t Impress Me Much” Twain vendeu milhões atrás de milhões de uma música de raízes country, em que valia tudo, dos adornos pop aos riffs da metal music. Mas, em 2002, tudo começou a correr mal: doenças, perda de voz e a separação do produtor Mutt Lange, cara metade do mega sucesso. Quinze anos depois, ei-la a reivindicar o trono entretanto ocupado por Taylor Swift ou Miley Cyrus. Como dizem os tabloides, continua sexy aos 50, mas (pelo menos) parte da magia quebrou-se. A alguma melancolia assumida pelos infortúnios do destino junta-se a involuntária falta de garra geral. Ou então talvez tudo resulte da frustração das expectativas- afinal, que esperar do regresso de uma rainha, após tão longa ausência?

The Killers - Wonderful Wonderful **

Terão todas as canções já sido escritas? O título de uma das canções do novo dos Killers é uma boa questão, mas a banda não é propriamente conhecida por resolver os grandes problemas da filosofia e da indústria musical modernas. A banda de Las Vegas pratica um estilo de meia bola e força, com doses relativamente equilibradas de U2 (“Out Of My Mind” e a já mencionada “Have All The Songs Been Writen”), funk e disco (“The Man”) e ainda Springsteen e Fleetwood Mac um pouco todo o lado. O resultado é, quase sempre, uma música que tanto funciona no ambiente tonitroante dos estádios, como em não menos tonitroantes discotecas. A excepção (“Some Kind of Love”) tem a mão de Brian Eno e, obviamente, transporta-nos para atmosferas planantes. Este é o quinto disco dos Killers e põe termo a um silencio de cinco anos, que Brandon Flowers (ele “é” os Killers) aproveitou para (mais) uma aventura solitária.

Lana del Rey - Lust For Life ****

Há um paradoxo incontornável em Lana del Rey. A sofisticação com que se apresentou, já lá vão quase seis anos, soava terrivelmente a falso, e isso afastou aqueles a quem as canções se dirigiam. Lana tornou-se um sucesso, sim, mas com o público errado. As comparações iniciais com Nico (!) e os desastres que foram as primeiras apresentações ao vivo fizeram o resto. Mas Lana é uma excepcional cantora da América, da sua iconografia, mitos e fantasmas. E uma mais que razoável autora de histórias, como este quarto disco, finalmente, demonstra. As orquestrações, até mais densas que o habitual, podem distrair-nos à primeira audição, mas procuremos essa tal Lana superior nos temas mais despidos, como “Cherry”, ou especialmente “Change”, e deixemo-nos convencer de que o paradoxo, ou talvez o preconceito, está mais em nós que nela.