Charlotte Gainsbourg - Stage Whisper **

Charlotte Gainsbourg tem uma voz banal e é uma intérprete meramente sofrível. Os seus dois discos a solo (5:55 e IRM) foram, apesar disso, bem recebidos. Charlotte sabe escolher as companhias (Jarvis Cocker, Air e Beck assinam a quase totalidade dos temas desses discos) e assume uma atitude blasée, uma sensualidade distante, que o mundo gosta de associar a França e às francesas em particular. O gesto de editar um disco em que metade das canções são sobras (de IRM) e a outra metade uma actuação ao vivo parece não ter sido boa ideia, principalmente porque ficam excessivamente expostas todas as fragilidades. Um exemplo: a versão de Just Like a Woman, de Dylan, é tão insípida que não apetece repetir a audição. O trabalho de estúdio tem algumas canções razoáveis de Beck embrulhadas em electrónica dançável e, percebe-se agora melhor, muito trabalho à volta da voz de Charlotte. Decepcionante.

The Unthanks - The Songs Of Robert Wyatt and Antony & The Johnsons ****

Os discos de versões tendem a expandir o universo original, através da oferta de novos mundos às canções. Sendo um disco de versões, este faz o trabalho inverso. Digamos que se trata de uma gravação para fãs, como se os admiradores de Antony Hegarty (Antony & The Johnsons) e Robert Wyatt se tivessem reunido num teatro de Londres para venerar os seus ídolos e tivessem encarregado os Unthanks de os guiar. Não há aqui um trabalho de verdadeira apropriação ou transfiguração dos originais, mas antes de veneração. Quer isto dizer que se trata de versões menores? De todo. Ouça-se, por exemplo, “Bird Gerhl”, “Sea Song” ou a espantosa “Free Will and Testament” para se perceber o carinho colocado em cada interpretação. São canções de grande beleza e intensidade e essas características são preservadas e até intensificadas, em orquestrações baseadas no piano e enriquecidas com cordas e alguns toques vibrantes de metais. Ah, e as manas cantam tão bem!

Tiago Bettencourt - Tiago na Toca dos Poetas ***

A música é a grande libertadora da poesia e, por isso, nada melhor que uma grande canção para retirar dos livros e gavetas um grande poema. Quem diria que, em 1971, em plena censura, se cantarolava nas ruas de Lisboa um poema de sexualidade quase explícita, a que não faltam referências homossexuais? Sim, “Cavalo À Solta”, de Ary dos Santos, que Fernando Tordo levou ao Festival da Canção e que agora reinterpreta neste disco com Tiago Bettencourt. E esta versão de “Cavalo À Solta” dá o tom ao disco – gravação caseira, intencionalmente artesanal. Mas, acima de tudo, o registo: a canção do Festival, um grito libertador, é aqui submetida a um trabalho de inversão, obrigada a serenar, num quase anti-clímax. Neste projeto, mais do que libertar poemas, através de canções que os tragam para a rua, Tiago Bettencourt prefere oferecer-lhes música que lhes faça companhia na intimidade. Exemplo disso são os dois poemas de Sofia, em que a melodia cede lugar ao acompanhamento instrumental para pouco mais que declamações. Ou o poema de Ramos Rosa, simplesmente sussurrado por Dalila Carmo. Já “Poema de Desamor” (de O’Neill), ou o de Pessoa são objecto de uma intervenção mais explicitamente musical. Não é, então, um disco para trazer a poesia à rua, antes para momentos de intimidade. Os temas foram gravados em casa e outros locais inusitados, em 2008, e estão agora a ser apresentados numa pequena digressão. O disco vem dentro de um livro com os poemas e notas do autor. Um belo objecto.

The Maccabees - Given To The Wild *

Há um vírus na música inglesa. Chama-se Coldplay e ataca bandas pouco inspiradas, compelidas pela indústria a explorar cada galinha dos ovos de ouro que sobe aos top. O raciocínio até está correcto – se os maçadores Coldplay conseguem, não conseguirá qualquer um? Os tops, a História está aí para o provar, são de uma generosidade sem fim. The Maccabees são, pois, os novos Coldplay, como já o são, por exemplo, os Snow Patrol. Given To The Wild é um disco penoso de ouvir, tal é a banalidade e a repetição dos recursos utilizados, que vão das fases mais desinspiradas do prog-rock (Genesis, etc) aos supergrupos de estádio das últimas duas décadas. É tudo épico: as baterias-metralhadora, as camadas de sintetizadores, as descargas das guitarras, as vozes em falsetos irritantes. Uma ou outra canção parecem tentar fugir do naufrágio (“Ayla” ou “Pelican”, por exemplo), mas o esforço resulta inglório.