Nick Nicotine’s Mystical Orchestra - Gypsicalia ****

Uma banda de ciganos brasileiros que pratica música americana numa oficina abandonada no Barreiro. Está bem visto, mas não é totalmente verdade. Os ciganos estão apenas no título do disco e talvez no ambiente de festa descontrolada que toma conta das canções. Já brasileiros, há-os. Marcelo Camelo, na voz de “Tropic of Capricorn”, um tema que vai sendo corroído por dentro pelo tropicalismo, para acabar em qualquer coisa que mistura o samba e a morna. Brasileiro, ainda, Alex Kassin, que empresta a pedal steel guitar a um dos temas mais alucinantes do disco, “Sunny Day”, uma divertida e muito sentimental valsa surfista. Mas o disco é essencialmente Nick Nicotine, uma voz soberba, uma fabulosa imaginação e um jeito muito especial para encenar canções, sempre agarradas a uma base blues (espantosa, “Breathless”, uma espécie de Elvis meets Beach Boys meets Springsteen meets etc), mas que voam em delírios, por vezes psicadélicos (“Bodhi and Utah”), que aos mais antigos recordarão a atitude e a sonoridade de Frank Zappa. “Hit Me Like The First Time”, rock’n’roll bem esgalhado, ainda remete para um Nick que conhecíamos de discos anteriores, mas o resto é bem mais solar, produzido, divertido. A merecer cada vez mais atenção.

Mumford & Sons - Babel (Gentleman Of The Road Edition) ***

E ao segundo disco Marcus Mumford volta a pronunciar a palavra “fucked” numa canção. Provavelmente é um “cameo” musical, como aquela cena de o Hitchcock surgir em pequenas cenas em todos os seus filmes. Sendo assim, vamos ter “fucked” em barda nos próximos tempos, tal é a vontade da banda de manter em funcionamento a galinha dos ovos de ouro que lhes caiu nas mãos há uns anos. O sucesso dos M&S é um evidente exagero e resulta de um peculiar alinhamento de circunstâncias. Desde logo, é impossível ouvi-los sem nos virem à lembrança os muito bem sucedidos Arcade Fire, embora aqui num registo bem mais pobre. Depois, eles preenchem aquela necessidade permanente que temos de regressar às origens, às coisas simples, o que em música quer quase sempre dizer “folk”. Finalmente, e contradizendo o ponto anterior, a música deles funciona gloriosamente em grandes espaços, havendo por isso quem compare a sua atitude em palco com os U2. Mas, na verdade e em resumo, a música dos M&S é um tanto monótona – baseada quase integralmente em guitarras acústicas e banjos, harmonias vocais repetitivas, os mesmos esquemas rítmicos e os mesmos crescendos pensados para os palcos, o insistente cruzamento da temática religiosa com os assuntos do coração. E é indiferente que falemos do primeiro disco (Sigh No More, 2010) ou do segundo, tal é semelhança dos dois objectos. Voltamos a encontrar aqui as grandes canções de estádio (“Lover Of The Light” e “Hopeless Wanderer”), mas também as baladas para quebrar a festa (“Ghosts That We Knew”). A edição que agora chega às lojas é bem o espelho da grandiosidade em que rapazes navegam. O Babel original foi acrescentado de três extras (um deles, “Boxer”, de e com Paul Simon) e ainda de mais um CD e um DVD que recolhem a digressão em que o grupo mergulhou nos últimos anos e na qual foi experimentando algumas das canções do segundo disco. Uma edição para coleccionadores.

Rodrigo Leão - Songs (2004-2012) ****

O Álvaro, já se sabe, aposta no pastel de nata. O que, sabendo bem, sabe a pouco. Nada, pois, como diversificar. Rodrigo Leão pode ser uma alternativa, ou até uma via paralela. Falamos, claro está, de economia e da necessidade extrema que temos de fazer dinheiro, de preferência lá fora, onde ele existe. Este Songs 2004-2012 é claramente um objecto exportável, tanto mais que Rodrigo Leão não é propriamente um desconhecido em talvez mais países que o pastel de nata. O disco reúne canções cantadas em inglês dos discos Cinema (2004), A Mãe (2009) e A Montanha Mágica (2012), a que se juntam três originais, sendo que um deles, o instrumental “Lost Words”, é a excepção que valida a regra. Em resumo, estamos perante a faceta mais pop de Rodrigo Leão, sendo que, no seu caso, pop não significa necessariamente ligeireza. Apenas uma abordagem mais de acordo com os cânones vigentes, embora nunca dispensando a carga neoclássica e minimalista que é a sua marca de água. As boas companhias - outro argumento de exportação – contribuem fortemente para a fixação da identidade dramática de Rodrigo Leão, seja pela intensidade de Beth Gibbons (“Lonely Carrousel”), ou de Scott Matthew (que assina e canta um dos inéditos, “Incomplete”), ou pelos registos tão característicos de Neil Hannon ou Stuart Staples, ou ainda pelas presenças nacionais de Sónia Tavares e Ana Vieira. A Joan Wasser (Joan As a Police Woman) cabe o outro inédito (“The Long Run”), a canção (valsa) mais ligeira do disco. Nota negativa para o modo como tudo isto é apresentado: em lado algum do disco há nota para as datas de gravação dos temas, em que discos sairam, ou sequer quem canta o quê. Tratando-se de uma antologia (aparentemente, a primeira de uma série sobre a obra do artista), justificava-se algum empenho didáctico, já que, afinal de contas, este disco pode servir de porta de entrada para um dos valores mais seguros da música portuguesa contemporânea.