Divine Comedy


Um dos grandes encantos dos Divine Comedy é o casamento perfeito, ora dramático, ora simplesmente lírico, entre os arranjos de cordas e a voz bela e grave de Neil Hannon.
Ora não é nada disso que vamos ter nas próximas apresentações do senhor Divine Comedy em Portugal. Hannon viaja acompanhado apenas de piano e guitarra e é assim que vai subir ao palco. Perde-se a grandiosidade do som dos Divine Comedy, o seu traço barroco, e ficamos apenas com as canções.
E aqui entra outro dos grandes encantos dos Divine Comedy – as canções. Neil Hannon é um dos melhores autores da década de 90, propondo-nos um raro equilíbrio do humor com a ternura, das reflexões melancólicas com a crítica social.
Isso mesmo é audível no disco com que recentemente quebrou um silêncio de quatro anos, o qual já tinha sido antecedido de silêncio de igual magnitude. Isto tudo porque Hannon se tornou um homem de família e também porque, confessa, não tem muita paciência para as despesas da fama. Bang Goes The Knighthood é um disco com uma canção sobre a crise financeira internacional (“The Complete Banker”), mas também com temas tão reveladores como “When a Man Cries”.
Ao piano ou à guitarra, Hannon terá, obviamente, que regressar ao clássicos dos Divine Comedy, por exemplo, “The National Express”, ”Our Mutual Friend”, ou “Something For The Weekend”. E talvez cante, se lhe pedirem, uma canção de Brel, Brassens ou Gainsbourg, daquelas que gravou ao vivo para uma edição especial de “Bang Goes The Knighthood”.

Nicotine’s Orchestra - Ghosts and Spirits ****

Há muito que o Barreiro deixou de ser a cidade pós-industrial deprimida e passou a integrar uma América imprecisa, talvez no Sul, numa época também ela indefinida. Nomes como Nick Nicotine, músico, produtor, editor e organizador de festivais, colocaram a cidade num roteiro do rock nacional que vive à margem da rádio e de outros circuitos de divulgação.
Este disco, o segundo da Nicotine’s Orchestra, é uma boa oportunidade para a rádio se redimir. Muitas das canções que por aqui se ouvem poderiam ter sido escritas na tal América e até figurar em antologias do rock rude, herdeiro da soul e do blues (“Rosario”), tipo George Thorogood (“Love At First Sniff”), topam? Ou, se preferirem, filhas do cruzamento das bandas sonoras de Tarantino (“Help Me”) e David Lynch (“Mighty River”), que o psicadelismo também lhes assenta muito bem.
Um disco, já perceberam, cruzamento de muitos e bons imaginários.

Márcia - Dá ****

As frases feitas existem para serem usadas. Eis então: primeiro estranha-se, depois entranha-se. A canção inicial causa uma sensação esquisita: a voz cai para o sopinha de massa, as sílabas, ora se atropelam, ora, comidas, desaparecem. Uma contrariedade.
A cada canção, habituamo-nos à ideia. Percebemos que a voz frágil foi incorporada no estilo e o único (?) lamento é nem sempre percebermos o que canta Márcia. Até porque pressentimos poemas lindos.
O resto é muito bom. Especialmente, o trabalho de ourivesaria com que cada canção é vestida, longe da voz/guitarra do EP de estreia (2009). Ou não estivessem na produção e em colaborações diversas alguns dos nomes de relevo da novíssima música portuguesa (Real Combo, Walter Benjamin, B. Fachada…).
O resultado é um trabalho de grande sensibilidade, do qual, no entanto, é necessário aprender a gostar. Chamar-lhe a Carla Bruni portuguesa é redutor, mas ajuda a situar a ideia.