Capitães da Areia - A viagem a bordo do Apolo 70 ****

Os anos 80, os Heróis do Mar, os Sétima Legião, José Cid, Toy (sim, esse), Rui Pregal da Cunha, Lena d'Água, Miguel Ângelo (sim, esse). E Samuel Úria, Tiago Cavaco, Capitão Fausto, Mel do Monte, Tiago Bettencourt. E as Adufeiras de Monsanto e Tiago Pereira. E (oh, não...) o Bruno Aleixo e a porteira do Lux. E, claro, Manuel Fúria. Ficou alguém de fora? A coisa é, convenhamos, um pouco demencial. No bom sentido, como se costuma dizer. Este é um dos projectos mais loucos da música portuguesa e - há que dizê-lo - dos mais bem conseguidos. Muito influenciadas pelos anos 80, portugueses e não só (sintetizadores a rodos), mas também pelo folclore e até por África, estão aqui algumas das canções mais vibrantes da pop portuguesa actual. Sim, pop. Canções bem dispostas, sem complexos, para dançar, sonhar, etc. Este é o segundo disco dos Capitães e as rádios bem podiam dar alguma atenção a este antídoto para a habitual neura nacional.

José González, 19 Fev CCB


O Facebook de José González tem andado agitado. Os anúncios relativos ao lançamento de um novo disco, esta semana, são entrecortados pela marcação de novas datas para as digressões deste ano, na Europa e nos EUA, a que se segue a notícia de que há datas esgotadas e vem aí novo concerto. Isto diz bem da popularidade que González tem granjeado nos dois lados do Atlântico, facto espantoso, se tivermos em conta que o último disco a solo deste sueco de ascendência argentina (In Our Nature) data de 2007 e que, antes desse, apenas gravara outro de grande fôlego (Veneer, 2003). Entretanto, tem feito circular a banda Junip, também ela com discografia esparsa. A verdade é que há um bom mercado para esta música, que nos obriga a fazer um intervalo na azáfama do dia-a-dia e ficar simplesmente a ouvir. E talvez meditar, que Gonzalez é músico que gosta de pensar e fazer pensar. Fá-lo, aliás, da mesma forma minimalista com que pratica a música: umas frases fortes, soltas, entre a reflexão sobre "o que fazemos aqui" e um incitamento a que façamos alguma coisa por nós. É assim com Vestiges & Claws, o novo disco, em que o minimalismo ganha ritmo e intensidade, à custa de mais guitarras, coros e percussões. Sem perder a cor intimista que é a marca de água de González.

Bob Dylan - Shadows In The Night ****

Na única entrevista que deu a propósito deste disco, Dylan afirma que o seu propósito era manifestar respeito por canções que, ao longo dos anos, foram sendo desrespeitadas. Dito de outra forma, não tinha pretendido fazer "covers" (expressão inglesa utilizada para "versões", mas que também significa "cobrir", ou "tapar"), mas sim um trabalho de "uncover" (descobrir), ou seja, regressar à essência das canções. E é disso que se trata, num exercício que não pode deixar de lembrar as "Basement Tapes" (de 1967, mas reeditadas em pleno em 2014), em que o mesmo exercício foi realizado sobre temas folk. Agora, o repertório assenta em standards de duas fases da carreira de Frank Sinatra: o início, nos anos 40, e a década deslumbrante, mas profundamente melancólica, do "regresso" nos anos 50. Estamos, pois, perante um corpo de canções que versam as vicissitudes do amor e que deixa de fora o lado mais luxuriante e conhecido da Voz. E é, de facto, com respeito, mesmo com solenidade, que Dylan ataca estes dez temas. Na voz pausada, obviamente nada a ver com Sinatra, mas também nada a ver com o Dylan mais entaramelado de outras épocas, em que cada sílaba é audível e fica frequentemente suspensa, confundindo-se com os discretos traços de metais (trompete e trompa) ou do choro da pedal steel guitar. Aqui não há pequenas ou grandes orquestras, nem sequer piano, e a bateria é usada com extrema discrição. Toda a carga emotiva é colocada na letra das canções, de certa forma reafirmando a importância que a palavra sempre teve em toda a sua obra. Mas, reconheçamos, apesar de Dylan dizer o contrário, estas são canções que já foram muito bem interpretadas, restando agora saber se este exercício principalmente simbólico será compreendido pelo comum dos mortais.

Jamie Cullum - Interlude ****

O flirt teria que dar nisto. Década e meia e sete discos passados, Jamie Cullum grava um primeiro CD de jazz. Aqui já (quase) não há pop, nem electrónica, nem truques. O disco foi gravado com todos os músicos em estúdio, de forma analógica, numa homenagem assumida ao jazz dos anos 30/40. O produtor e os músicos foi-os conhecendo Jamie através do programa de jazz que conduz na BBC. O que há aqui de pop são duas canções, uma de Randy Newman ("Losing You"), mas especialmente outra de Sufjan Stevens ("The Seer's Tower"), que resistem à avalanche do swing. Curiosamente, "Lovesick Blues", um dos hinos country de Hank Williams, surge completamente transfigurada e alinhada com os clássicos de Gillespie, Ray Charles, Cannonball Adderley, que são o prato forte do disco. Destaque ainda para os dois duetos: com Laura Mvula, em "Good Morning Heartache", e Gregory Porter, num surpreendente "Don't Let Me Be Misunderstood".