Golden Slumbers - The New Messiah****

O som das cigarras a marcar o ritmo no tema de abertura ("Foreigner") é relativamente enganador. Porque a música de Cat e Magarida Falcão tem tanto desse bucolismo, a evocar o folk intemporal, como de um cosmopolitismo de traços levemente jazzísticos ("The Hunt"). O canto que praticam, especialmente quando o rigor vocal se desenvolve sobre o rendilhado das guitarras, remete tanto para Joni Mitchell como para os exercícios modernistas sobre base celta e eslava (ouçam-se os requebros vocais de "Woke Up", por exemplo). A interpretação em duo é um esquema raro na música pop, talvez porque as omnipresentes harmonias vocais acabam por ser demasiado impositivas, deixando pouco espaço de respiração a tudo o que as rodeia (as cordas de "Love" não mereceriam outro destaque, pelo menos que as guitarras as deixassem ouvir?). Interessa, porém, o essencial: a matéria-prima é mais que suficiente para outros voos.

Adriana Calcanhotto - Loucura *****

"A vida não quer saber de mau gosto, de bom gosto", comenta Adriana Calcanhotto, num dos extras do DVD que acompanha esta edição, quando a conversa aborda o ostracismo a que Lupicínio Rodrigues foi votado (1914-1974) nos alvores da bossa nova. Mas a verdade é que, apesar das acusações de mau gosto, o "rei da dor de cotovelo" foi vastamente cantado pela geração que então eclodia (Gal, Caetano, Elis, Simone, Arnaldo Antunes). Este CD recolhe o espectáculo único que Calcanhotto dedicou a Lupicínio, em Dezembro de 2014. As valsinhas, no fundo é disso que se trata, evoluem de uma base violão/contraixo, para ganharem asas com o acordeão e especialmente com o trompete. A cantora mantém-se num registo contido, sentindo/expressando cada sílaba, como logo no início, em "Homenagem", ou mesmo na famosa "Felicidade", já em ambiente de quase festa. Tudo, afinal, com o bom gosto que a "dor de cotovelo" merece.

Aline Frazão - Insular ****

Em "Império Perdido", Aline Frazão canta "Procurei por ti, nos filmes de Bergman, nos discos do Chico" e essa poderá ser a melhor síntese do caminho que percorre neste terceiro disco. Gravado na ilha escocesa de Jura, cruza a sonoridade nórdica e plana de Giles Perring com a sensualidade da matriz africana da cantora. A omnipresente guitarra eléctrica de Pedro Geraldes (Linda Martini) é o elemento dissonante e realista, que trava qualquer veleidade de cristalização numa world music globalista, passe a redundância. É claramente um disco que quer ser também manifesto político - nem tanto pelas referências mais ou menos explícitas à situação de Angola, como em "A Prosa da Situação" ou "Langidila" - mas especialmente por constituir um radical exercício de liberdade criativa, de que "O Homem Que Queria um Barco" (a partir do Conto da Ilha Desconhecida, de Saramago), talvez seja o melhor exemplo. Um disco de descobertas.