Ryan Adams - Ashes & Fire ****

Aviso à navegação: este não é apenas mais um disco de Ryan Adams. O alerta, parecendo banal, tem a sua razão de ser – na última década, irrequieto, Ryan Adams lançou mais discos do que o bom senso recomendaria. À razão de um por ano, a solo ou com os Cardinals, espalhou de tal forma o seu talento que às tantas seria legítimo questionar se haveria assim tanto talento e se não seria apenas espalhanço. Este Ashes & Fire é talvez o melhor disco desde a dupla de estreia a solo – Heartbreaker (2000) e Gold (2001) – e isso é seguramente o melhor elogia que se poderia fazer, visto que aqueles foram dois discos marcantes e, de alguma forma, ainda subavaliados na história da música pop-rock. Ryan Adams tem as suas raízes na country alternativa e esse é o tom que mais sobressai nesta nova gravação. Na prática, estamos perante uma dúzia de baladas, num registo quase unplugged, ornamentado por um omnipresente e característico órgão Hammond, uma secção de cordas e… o piano de Norah Jones. A voz está melhor que nunca, naquele tom sofrido, quase frágil, apaixonado. E por falar em paixão… É disso que trata o disco, em canções com títulos tão bonitos como “I Love You But I Don’t Know What To Say”, ou tão explícitos como “Chain Of Love”. Deixemo-nos de rodeios – este é um disco para ouvir a dois, descaradamente, para namorar (nota: merecem estudo urgente os efeitos práticos da música na vida sentimental dos terráqueos…), tanto mais que estamos longe, muito longe, de qualquer versão lamechas da coisa. Temas como “Come Home”, ou “Invisible Riverside” poderão, de resto, integrar uma qualquer enciclopédia da arte de bem escrever canções. Em suma, este é um disco que (re)lança uma nova luz sobre um nome em que já descríamos e isso não é pouco.

David Lynch - Crazy Clown Time **

Não, caro David, isto não resultou. A ideia de transpor para a música a estética negra e maníaca dos seus filmes era interessante, tinha (e tem) potencial. Mas, admita, era projecto para um profissional. Ou então para um desses jovens que parecem ter absorvido toda a história da música pop-rock nos biberons da infância. O falhanço explica-se de forma muito linear: o David escreveu, produziu e interpretou (instrumentos e voz) todas as canções deste disco. Repare: as canções não são nada de especial. Ouça, por exemplo, “Noah’s Ark” – isto é um esboço, bolas, não uma canção. Na generalidade, as letras são pobres e a composição anda, no mínimo perdida. E depois há o embrulho. E aí, sinceramente, parece que tentou esconder a falta de criatividade num amadorismo demasiado explícito. Os vários cobertores electrónicos que envolvem as canções são totalmente dejà vu e, creia, aborrecidos. Como a sua voz, David. Você não canta – uma opção, é certo – mas a sua declamação persistentemente distorcida pelo vocoder causa um certo formigueiro nos pés, vontade de fugir (seria essa a ideia?). Safa-se no meio de tudo isto a abertura (“Pinky’s Dream”), com a convidada Karen O (dos Yeah Yeah Yeahs), os quatro minutos do disco mais parecidos com uma canção – há melodia, há intensidade, sem que nos afastemos do universo lynchiano. E há , por exemplo, “Football Game”, ou “The Night Bell With Lightning” (um instrumental…), com uma base blues e uma sonoridade de guitarra com potencial para exploração em possíveis novas aventuras no campo da música. Pois é, David, essa ideia de criar uma marca Lynch transversal (parece que até vende café no seu site…) precisa de mais qualquer coisa na música. Pode continuar a tentar, é claro.

Florence + The Machine - Ceremonials ****

O segundo disco de Florence é mais do mesmo. E “mais” é uma palavra que aqui se aplica em todo o seu esplendor. Embalada pela boa receptividade à estreia (Lungs, 2009), a britânica dá-nos agora ainda mais intensidade, mais pormenores deprimentes da sua intimidade e mais… instrumentos. É impressionante a amplitude instrumental e a massa sonora criadas em cada uma das canções, com elementos célticos, soul, tribais, corais, sinfónicos. No centro de tudo, está a voz dramática, avassaladora, de Florence Welsh, a cantar coisas tão pesadas como ser atirada à água com os bolsos cheios de pedras (“What The Water Gave Me”), uma canção em que o registo vocal faz lembrar outra britânica menos sombria, mas igualmente intensa – Kate Bush. Este é um disco, que por todas essas razões, se torna de difícil digestão. As canções são exigentes, na temática e na exposição, e, é verdade, um tanto repetitivas. Mas o teste do segundo disco foi ganho.