Scott Matthews - Home Part 1 ****

Tomar um chá entre cada gravação e depois voltar a gravar tudo outra vez, até que soe perfeito. É mais ou menos assim que Scott Matthews descreve algures o processo de gravação deste Home Part 1, totalmente registado num estúdio caseiro, sem produtor ou sequer engenheiro de som. O processo de aprendizagem tomou-lhe três anos e o resultado, felizmente, não é perfeito. Felizmente, porque a tendência para o virtuosismo de quem pega numa data de instrumentos - embora alguns amigos tenham aparecido com outros - e, de forma quase obsessiva, trabalha os temas com a dedicação que se adivinha ao ouvi-los poderia afogar o projecto em tiques e maneirismos. Falta, é certo, alguma energia, algum tema mais animado, para quebrar o tom demasiado linear de dez canções em tom de balada, quase sussurrada. A folk é a grande influência de Matthews e há quem o compare a Jeff Buckley, mas se há coisa que este quarto disco veio mostrar é que estamos perante uma voz única. Única, a voz propriamente dita, macia e quase encantatória; única, também, a sensibilidade e a delicadeza da composição. "Running Wild", "The Outsider" e "The Night Is Young" são exemplos dessa perfeição que nos agarra em círculos. O instrumental "The Clearing" é um bom exercício, mas anda perto de cair para um certo barroquismo. E há a espantosa "86 Floors From Heaven", inspirada na famosa fotografia do suicídio de Evelyn McHale, publicada em 1947 por Robert C. Miles, na Life (vale a pena procurar no Youtube o vídeo oficial da canção). Um alerta duplo: não confundir este Scott com um outro que surge num dos discos de Rodrigo Leão, nem com o homónimo americano. Depois de ouvir será mais difícil confundir.

Mark Lanegan - Phantom Radio ****

Há cadáveres por todos os cantos, cantos de canções. Mas nem é tanto a morte que incomoda, são mais os fantasmas, o que sobra da morte, e as desilusões, a morte que nos atravessa em vida. O tema não é propriamente novo (o disco de 2012 tinha por título Blues Funeral), mas nunca Lanegan demontrara tal agilidade a lidar com ele. Agora, é possível dançar sobre as tumbas ("Seventh Days"), embora não seja essa a agilidade que conta, antes a desenvoltura de composição, que começa a projectar Lanegan como um dos compositores a justificar atenção redobrada por estes dias. Por exemplo, em "Judgement Time" ou "I'm The Wolf", duas das mais densas e sombrias canções, mas igualmente das mais belas. A voz cheia de fumo, mas espantosamente versátil, vai casando na perfeição com a atmosfera electrónica predominante, como é o caso de "Torn Red Heart", que vai directamente para o top das suas melhores canções.

Bob Dylan & The Band - Tte Bootleg Series, Vol. 11 - The Basement Tapes *****

Em 1967, Dylan tinha gravado sete discos, pelo menos quatro dos quais absolutamente históricos, tinha dado duas enormes pedradas no charco (a estreia e a electrificação) e, last but not the least, tinha recusado liminarmente ser o líder da geração que o tinha por líder. E foi aí que caiu da mota... O famoso acidente, ainda hoje envolto em mistério, afastou-o dos estúdios e dos palcos. Nesse Verão de 67, numa casa de campo, juntou os músicos que viriam a chamar-se The Band para semanas de gravação, em que, mais uma vez, voltou a fazer história. E, mais uma vez, à sua maneira: as gravações, artesanais, não foram publicadas. Apenas em 1975, após várias edições pirata, viram a luz oficial do dia, numa versão muito adulterada, a que nem faltam regravações posteriores e temas da Band que nem sequer faziam parte do acervo inicial. A verdade histórica só agora é reposta, meio século depois... Há duas edições: uma, de seis discos (138 temas), que reproduz cronologicamente todas as sessões; e outra, de dois CD (38 temas), com o essencial do que se passou em 67. Há de tudo um pouco: versões restauradas (sem os embelezamentos de 75), gravações alternativas e até alguns coisas completamente inéditas. Interessa é que, pela primeira vez, se percebe em profundidade o que se passou naquele Verão e se tornou audível no discografia imediatamente posterior. Dylan reinventava, mais uma vez, não apenas a sua música, mas também a de toda uma geração e das que se lhe seguiram. Beatles, Stones e a grande maioria abandonaram o psicadelismo e outras aventuras sónicas e, a partir de 67/68, regressaram à pureza e simplicidade das raízes. A chamada 'americana' e o 'alt-country', como ainda hoje se pratica, nasceram nessa revolução secreta de 67. Dylan ainda haveria de fazer outras.

The Art of McCartney ***

De certa forma, isto é um CD de karaoke e não, ao contrário do que se imaginaria, um disco de versões, de homenagem, etc. Isto porque a base instrumental da quase totalidade das canções é interpretada pela banda que costuma acompanhar McCartney ao vivo e, portanto, os artistas convidados limitam-se a colocar a voz sobre versões que, no fundo, não são muito diferentes das que já conhecemos. Tudo impecável e até um pouco divertido, se tivermos em conta o peso próprio das três dezenas que se juntaram à volta das canções dos Beatles, dos Wings e de McCartney a solo (Billy Joel, Roger Daltrey, Cat Stevens, Chrissie Hynde, Smokey Robinson...). As versões mais interessantes, como se imagina, são as que mais se libertam do original: "Yesterday" (Willie Nelson), "Wanderlust" (Brian Wilson) e "Bluebird" ( Corinne Bailey Rae), por exemplo. E há ainda a graça de Dylan a cantar "Things We Said Today"... só porque é Dylan.

Lisa Ekdahl - Look To Your Own Heart ***

Faltam teses e outras teorias sobre essa magia que só as canções possuem de transformar em passos de dança e trá-lá-lás os mais desvairados desgostos de amor. Se ainda não existem, não será certamente a partir de Lisa Ekdahl que vão aparecer. Porque, apesar de o tal paradoxo ser o motor deste disco, esta loira sueca tem poucas pretensões e, na verdade, apenas quer dar-nos música. A receita é exactamente a mesma do último disco de originais (Give Me That Slow Knowing Smile, de 2009): umas pitadas de jazz muito ligeiro ("I'm Falling"), uns ares de bossa ("Sing and Dance") e um je ne sais quoi de França, o país que mais sucesso lhe garante, Suécia natal à parte (ouça-se, por exemplo, "You Want Her Approval"). Música mansa, feita para uma voz infantil no timbre, mas adulta nas soluções que, apesar de tudo, alcança. Pensada para encantar sem incomodar. Para chatices já basta a vida, não é?