Manuela Gonzaga - Doida Não e Não! ***

Sabem o que apetecia fazer com este livro? Um romance. A autora optou, ajuizadamente, por uma exposição histórica, ou, se quisermos, uma mega-reportagem biográfica. Até porque o romance já existe – Doidos e Amantes, de Agustina. E até, imagine-se, um filme – Solo de Violino, de Monique Rutler. Ambos, obviamente, com algumas liberdades face à verdade dos factos que se pretende fixar nesta obra.
A história que aqui se conta é a de Maria Adelaide Coelho da Cunha, filha do fundador do Diário de Notícias e casada com um dos seus primeiros directores, Alfredo da Cunha, que se apaixona pelo motorista, com quem foge de casa, trocando os luxos de um palácio de Lisboa pelo desconforto de uma modesta casa na província. Com a colaboração dos maiores alienistas (psiquiatras) da época, marido e filho conseguem interná-la num manicómio, com o diagnóstico de “loucura lúcida”.
Ironicamente, a “libertação” acaba por passar pela publicação de cartas num jornal concorrente, A Capital, e pelo lançamento de um livro, o qual origina, por sua vez, um livro-resposta de Alfredo da Cunha.
Estávamos na segunda década do século passado e ingredientes não faltavam para apaixonar um país mergulhado, também ele, em grandes convulsões, mas de ordem política.
O livro de Manuela Gonzaga é o relato mais completo publicado até hoje dessa fabulosa história, até porque beneficia, não apenas da documentação já conhecida, mas principalmente de um espólio descoberto, em 2003, pelos proprietários do palácio que o casal habitou em Lisboa.
Além de contar a história propriamente dita, o livro é o retrato de uma sociedade dominada pelos poderosos e também dos enormes erros que se cometeram à sombra da nova ciência que era a psiquiatria.
Lê-se como um romance, embora algumas opções da autora sejam discutíveis. Por exemplo, o profuso recurso a citações dá resultados que brigam com a boa utilização da língua (“Por isso, pedia-lhe que não julgasse que a ‘falta de resposta às tuas cartas’…”) e a repetição de episódios, alguns de forma insistente, em capítulos diferentes, quase desmotiva a leitura de uma história a que não faltam os episódios e reviravoltas.

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