Lula Pena - Archivo Pittoresco ****

Todas as canções numa só. Como num continuum, em que apenas os limites fisiológicos ou tecnológicos obrigam à quebra, à descontinuidade. Todas as línguas a destilarem sentido, do francês ao crioulo, do castelhano ao grego, do inglês ao puro murmúrio. Todas as músicas enlaçadas numa música universal, em busca talvez da raiz comum. O phado, sim esse fado, as mornas, o samba, a chanson, o indefinível. Em palco, é por vezes difícil perceber onde acaba Lula Pena e começa o violão, onde acaba o dedilhar e entra o tamborilar. Em disco, esse movimento é congelado no momento e temos sempre a sensação de que foi assim naquele momento, porque fosse outro e outro movimento ficaria registado. Música orgânica, gosta de dizer a autora, compositora, intérprete. Como se a música fosse a sua natureza, pouco importando que, em duas décadas, este seja apenas o terceiro registo (“Phados”, em 1998 e “Troubadour”, em 2010). Este que agora ouvimos resulta de uma encomenda feita em 2014. O resto do tempo passa-o Lula Pena em cena e impressiona visitar a sua página no Facebook e perceber como o mundo, especialmente a Europa, a ouve, e como os media de referência desses países lhe registam tão atentamente o percurso. Numa dessas entrevistas, a definição do que pretende fazer em palco: “acupunctura, tocar o ponto emocional de cada espectador. É esse o poder da música”. E é, afinal, isso que acontece, mesmo neste formato frio do digital. Mesmo o ouvido mais empedernido pelos tops da moda haverá de reagir às agulhas de melodia e melancolia que por aqui tão generosamente são oferecidas. Talvez – é só uma ideia – começando pelo fim, pela mais fácil “Come Wander with Me”, da banda sonora de Twilight Zone.

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